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O Pediatra e a Depressão Pós-Parto

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Além de cuidar das crianças, precisamos estar atentos à saúde psicológica das mães. Entenda os sintomas e os tratamentos da depressão pós-parto.

Depressão Pós Parto. (NEJM, Dez 2016)

Este artigo do New England discute um assunto de extrema importância nas unidades neonatais e nos consultórios pediátricos e que pode afetar de maneira drástica nossos pequenos clientes. É um problema muitas vezes subdiagnosticado e negligenciado pelos pediatras, mas não deveria ser. Você sabe identificar uma depressão pós-parto?

 

A depressão pós-parto é uma das desordens psiquiátricas mais comuns da mulher em idade fértil. É incapacitante, porém tratável. Segundo o DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais – 5ª edição), a depressão pós-parto é definida como episódio depressivo major com início periparto e/ou com as alterações de humor perceptíveis durante a gravidez ou até 4 semanas após o parto.

Ainda segundo o DSM-V, os critérios para definição do episódio depressivo major são:

A depressão pós-parto tem uma prevalência de 6,5 a 12,9%, em média, atingindo valores maiores em alguns países subdesenvolvidos.

Normalmente conseguimos identificar a depressão pós-parto quando a mãe refere problemas com seu sono, além dos despertares habituais para os cuidados do bebê; ansiedade; irritabilidade; sensação de estar sobrecarregada; e preocupação obsessiva com a alimentação e saúde do bebê. Não é infrequente também a ideação suicida e o medo de causar mal ao recém-nascido.

Os principais fatores de risco para desenvolvimento da depressão pós-parto descritos são: antecedente pessoal de distúrbios de humor e ansiedade e, especialmente, depressão e ansiedade durante a gravidez.

A patogênese não está completamente definida, porém a alteração hormonal abrupta decorrente do parto parece ter importante papel na origem dessa enfermidade. Além disso, há descrição de que são fatores contribuintes em seu aparecimento:

  • predisposição genética,
  • problemas conjugais,
  • falta de inserção social,
  • violência doméstica,
  • antecedente pessoal de abuso sexual e outros eventos traumáticos.

O curso natural é bastante variável. A grande maioria apresenta resolução espontânea dos sintomas em algumas semanas. Entretanto, cerca de 20% das mulheres com depressão pós-parto mantêm sintomas após 1 ano do parto, e 13% após 2 anos. Aproximadamente 40% das mulheres que apresentaram um episódio de depressão pós-parto apresentarão recorrência nas próximas gestações.

Cerca de 20% das mulheres com depressão pós-parto mantêm sintomas após 1 ano do parto, e 13% após 2 anos.

A depressão pós-parto é um problema grave de saúde, que resulta em sofrimento da mãe, aumento do risco de problemas conjugais, prejuízo do relacionamento mãe-bebê e, consequentemente, prejuízo do desenvolvimento cognitivo, social e emocional da criança, além de, em raros casos, levar ao suicídio e/ou ao infanticídio. Por conta disso, o pediatra tem função importante na identificação precoce dos sintomas e encaminhamento dessas mulheres ao tratamento adequado.

 

SCREENING DA DEPRESSÃO PÓS-PARTO

O screening inicial deve ser feito com duas perguntas simples: se a mulher, no último mês, percebeu estar incomodada por sentimentos negativos, deprimida ou desesperançosa; e se há, no último mês, falta de interesse e prazer nas atividades diárias. Caso a resposta seja positiva a uma das duas abordagens, o artigo sugere que seja aplicada uma segunda ferramenta, mais específica: o EPDS (Edinburg Postnatal Depression Scale) ou o PHQ-9 (Patient Health Questionaire 9). Essa estratégia tem alta sensibilidade para detecção  da depressão pós-parto, minimizando também resultados falso-negativos.

O EPDS pode ser feito online. Clique aqui para acessá-lo.

 

mãe e bebê - depressãoRessalta também que 70% das puérperas apresentam sintomas depressivos leves, chamados de “baby blues”. Esses sintomas têm seu ápice entre o terceiro e quinto dia após o parto e possuem estreita relação com o esgotamento físico da mãe durante a primeira semana de vida do bebê. Tipicamente, há resolução espontânea em duas semanas e não há prejuízo das atividades diárias. Apenas uma pequena parcela desses “baby blues” evoluem para uma verdadeira depressão pós-parto.

A depressão pós-parto pode coexistir com sintomas de ansiedade e de transtorno obsessivo-compulsivo. Por conta disso, o fato de a mulher apresentar dias na semana com uma flutuação positiva dos sintomas depressivos não deve minimizar a atenção que deve ser dada ao quadro.

Se durante a consulta for percebida ideação suicida, pensamentos de autoagressão ou agressão ao recém-nascido, ou sintomas psicóticos como alucinações e delírios, o encaminhamento deve ser feito em caráter de emergência.

 

PREVENÇÃO DA DEPRESSÃO PÓS-PARTO

Mulheres com depressão não tratada durante a gravidez têm o risco mais de sete vezes maior de desenvolver depressão pós-parto do que a população geral. Portanto, a correta abordagem desses sintomas durante a gravidez é a principal forma de prevenção. Apesar de não estar claro ainda na literatura, parece que alimentação saudável, prática regular de exercícios físicos e sono adequado também são benéficos para prevenção da ocorrência de depressão pós-parto.

 

TRATAMENTO DA DEPRESSÃO PÓS-PARTO

A escolha da linha de tratamento para a depressão pós-parto deve ser feita pelo especialista e deve levar em conta, entre outras coisas, a severidade dos sintomas da mulher.

Intervenções psicossociais, psicoterapia e terapia medicamentosa são as principais opções de tratamento. Para nós, cuidadores de crianças, ressaltamos que o artigo sugere que o tratamento medicamentoso deve ser reservado àquelas mulheres que não apresentaram resposta à terapia não medicamentosa ou àquelas que apresentam sintomas severos, com ideação suicida, por exemplo.

depressão pós-parto

O principal grupo de medicações a ser utilizado é o de inibidores seletivos da recaptação da serotonina (fluoxetina e sertralina, por exemplo). Eles passam para o leite materno numa quantidade baixa (menos de 10% da dose materna) e, por isso, a amamentação não deve ser contra indicada. Apesar dessa segurança em seu uso, ainda não existem estudos de follow-up de longo tempo sobre possíveis impactos dessas medicações no desenvolvimento das crianças.

Antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, por exemplo) e inibidores da monoamina oxidase devem ser evitados durante a lactação.

A amamentação não deve ser contraindicada durante o uso de antidepressivos da classe dos inibidores da recaptação da serotonina

Além do tratamento com antidepressivos, intervenções hormonais estão sendo estudadas, justamente por haver fortes evidências de que a abrupta mudança hormonal ocasionada pelo parto tem papel fundamental na fisiopatologia da depressão pós-parto.

CONCLUSÃO

A depressão pós-parto afeta a saúde da mãe, da criança e da família. A atenção e a prevenção devem iniciar-se durante a gravidez. O pediatra, por estar em constante contato com a família nas primeiras semanas após o parto, tem papel fundamental no diagnóstico e encaminhamento dessas mulheres.

Baseado nisso, considere abordar o assunto nas consultas, faça um screening para sintomas de depressão pós-parto e não pense duas vezes para encaminhar para auxílio especializado.

O artigo pode ser consultado por assinantes neste link.
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Dr. Sidney Volk

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp. Membro do corpo editorial do PortalPed.

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