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Revisão Completa sobre Infecções Ósseas e Articulares – as Novas Diretrizes

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Análise aprofundada das Diretrizes da Sociedade Europeia de Doenças Infecciosas Pediátricas sobre infecções ósseas e articulares.

 

A Sociedade Europeia de Doenças Infecciosas Pediátricas (ESPID) publicou as suas Diretrizes sobre as infecções ósseas e articulares no The Pediatric Infectious Disease Journal em agosto de 2017. Então não perca tempo, atualize-se sobre o tema e leve para sua prática as melhores evidências!

 

artigo bone and joint infectionsO Guideline

  • Bone and Joint Infections
  • Saavedra-Lozano Jesús, Falup-Pecurariu Oana, Faust Saul, Girschick Hermann, Hartwig Nico, Kaplan Sheldon et al
  • The Pediatric Infectious Disease Journal: August 2017 – Volume 36 – Issue 8 – p 788–799
Acesse o Guideline online

 

Introdução

As Diretrizes ESPID são recomendações práticas baseadas em evidências e em opiniões de especialistas para o diagnóstico e tratamento das crianças com infecções ósseas e articulares (IOA). Como grandes estudos randomizados e controlados sobre tais doenças são raros ou inexistentes, as recomendações práticas refletem frequentemente o consenso de especialistas com base na melhor prática atual. Assim, estas Diretrizes não se destinam a substituir o julgamento clínico em casos individuais, nem estabelecer um protocolo válido para todas as crianças com este tipo de infecção.

 

Epidemiologia

As infecções musculoesqueléticas envolvem ossos, músculos e articulações e são relacionadas a alta morbidade e mortalidade  em crianças em todo o mundo.

  • A IOA hematogênica pode manisfestar-se clinicamente como: osteomielite, artrite séptica, ambos ou piomiosite.
  • A espondilodiscite pediátrica é incomum e representa 1 a 2% de todas as crianças com osteomielite.
  • A piomiosite pode complicar a IOA ou pode ser uma infecção primária sem a coexistência de IOA.

 

Definições

Osteomielite aguda (OA) é uma infecção óssea, geralmente bacteriana, ocasionando sua inflamação e destruição. Nos países desenvolvidos, o tempo entre o aparecimento dos sintomas e o atendimento médico geralmente é menor do que 5 dias e raramente maior de 1 semana. Metade das OA hematogênicas ocorre em menores de 5 anos de idade.

* Artrite séptica (AS) é uma infecção aguda da articulação que ocorre mais comumente em crianças pequenas, sendo principalmente monoarticulares.

* Espondilodiscite é caracterizada por infecção envolvendo o disco intervertebral e as vértebras adjacentes. Na fase inicial é difícil a diferenciação entre discite e osteomielite vertebral. A discite ocorre principalmente em crianças menores de 5 anos e os agentes etiológicos são semelhantes aos de outras IOA. A osteomielite vertebral é mais comum em crianças mais velhas,  geralmente envolve o corpo vertebral anterior e devem ser considerados agentes infecciosos como Mycobacterium tuberculosis e Salmonella.

* A piomiosite geralmente tem envolvimento pélvico e pode estar relacionada à produção de toxinas pelo Staphylococcus aureus Meticilino Resistente (MRSA) ou panton valentine leukocidin (PVL).

 

Diretrizes

O Guideline foi elaborado para Europa, mas pode ser utilizado por outros países com adequação às variações na disponibilidade de recursos, diferenças epidemiológicas dos agentes patogênicos e resistência bacteriana. Ele serve como ferramenta para auxílio diagnóstico e escolha da opção de tratamento.

 

Fatores de Risco

A maioria das IOA ocorre em crianças saudáveis, sem condições predisponentes. Algumas situações foram associadas ao surgimento deste tipo de infecção ou maior relação com um agente específico. São elas:

  • Kingella kingae  – Infecção do trato respiratório superior
  • Streptococcus do grupo A – feridas, erosões e infecção por varicela
  • Salmonella spp – doença falciforme
  • Serratia e Aspergillus – imunodeficiência – por exemplo, doença granulomatosa crônica
  • Anaeróbios e Pseudomonas – feridas penetrantes – por exemplo, através da sola de sapato ou sandália
  • Brucella e Coxiella spp – condições de vida, ocupação – por exemplo, manipulação de animais e trabalho de laboratório
  • Mycobacterium tuberculosis – contato com tuberculose pulmonar ou moradia em áreas endêmicas
  • Trauma anterior, embora alguns trabalhos recentes questionem isso, pois o trauma é muito comum em crianças
  • Recém nascidos: prematuridade, infecções cutâneas, bacteremia ou candidemia e cateter venoso central anterior

 

Patogênese

  • A maioria das IOA em crianças é de origem hematogênica, o principal foco dessas diretrizes.
  • Embora menos frequente do que em adultos, IOA em crianças podem ser secundárias a uma infecção adjacente, material protético contaminado ou traumatismo.

Por razões práticas, as IOA podem ser consideradas agudas (< 2 semanas), subagudas (2 semanas a 3 meses) e crônicas (acima de 3 meses). Na literatura geralmente não há diferenciação entre subaguda e crônica devido às similaridades clínicas e diagnósticas.

 

Etiologia

Um estudo pediátrico europeu recente mostrou uma prevalência de 8% de MRSA nas doenças invasivas por S. aureus.

A prevalência de diferentes agentes patogênicos encontrados em vários países europeus é o principal fator que influencia o regime antibiótico nas IOA. Exemplificando isto encontramos: maior incidência de MRSA adquirido na comunidade em alguns países, como na Romênia e Grécia; diferenças importantes na incidência de K. kingae em alguns países (muito baixa na Escandinávia e elevada na Espanha, França e Reino Unido).

Tanto a osteomielite como a artrite séptica são mais frequentemente causadas ​​pelo S. aureus, seguido por K. kingae e Streptococcus do grupo A, dependendo da idade, outros fatores de risco ou localização geográfica. Em alguns estudos em crianças abaixo de 5 anos, a K. Kingae é a segunda (ou mesmo a primeira) etiologia mais comum após S. aureus. Outros patógenos envolvidos com menos frequência são: Streptococcus pneumoniaePseudomonasSalmonellaHaemophilus influenzae tipo b (Hib), dentre outros. Nos recém-nascidos, o Streptococcus do grupo B e a Escherichia coli são agentes patogênicos importantes. Em certas áreas, um número variável, mas considerável, de casos é causado ​​por MRSA adquiridos na comunidade.

 

Características Clínicas

As manifestações clássicas das IOA são:

  • febre,
  • sinais localizados de edema ou dor,
  • limitação de movimentos ou claudicação.

Nas crianças, de 30 – 40% podem não desenvolver febre inicialmente.

Geralmente os sintomas da osteomielite, artrite séptica e piomiosite se confundem, dificultando o diagnóstico preciso. A osteomielite frequentemente tem um início mais insidioso; a artrite séptica apresenta mais comumente febre, edema e diminuição da movimentação, exceto quando acomete articulações ocultas, como sacroilíca ou intervertebrais; e a piomiosite dos psoas também pode ser muito difícil de diagnosticar. Outros sintomas são: claudicação, incapacidade de sustentar peso, recusa em utilizar os membros e/ou diminuição da amplitude de movimento. O início dos sintomas pode ser agudo ou subagudo (artrite entre 2 e 4 dias e osteomielite entre 6 e 7 dias). Em recém-nascidos e crianças pequenas, são encontrados apenas sintomas inespecíficos.

 

Em crianças, a IOA pode afetar qualquer osso, músculo ou articulação. Mais comumente, os ossos longos e as articulações dos membros inferiores estão envolvidos. A osteomielite multifocal é vista em 5 – 10% das crianças pequenas (especialmente recém nascidos e lactentes). A dor na osteomielite tende a ser mais localizada. A vermelhidão, dor e edema são mais comuns na AS. A piomiosite, quando envolve músculos adjacentes a articulação do quadril, pode ser similar à AS.

 

Diagnóstico

1. Testes laboratoriais

Os exames iniciais recomendados são: hemograma completo, proteína C reativa (PCR) e velocidade de hemossedimentação (VHS). Até o momento, não há provas claras do benefício clínico da dosagem da procalcitonina. Os achados da citologia do líquido sinovial não são específicas; assim, não é considerada obrigatória. A coloração Gram pode ser muito útil, tanto para o líquido sinovial quanto para a aspiração / biópsia óssea, especialmente se a cultura for negativa.

2. Microbiologia

A obtenção da hemocultura deve ser realizada antes do início da antibioticoterapia. A utilização dos frascos para hemocultura para cultivar fluido sinovial e exsudatos ósseos resultou no reconhecimento de K. kingae como uma das causas mais comuns de IOA em crianças <5 anos em alguns países.

Nos últimos anos, os métodos de amplificação de ácidos nucleicos (por exemplo, reação em cadeia da polimerase – PCR) melhoraram a detecção de bactérias não isoladas pela cultura. A sua importância aumenta principalmente nos pacientes que fizeram uso prévio de antibióticos (PCR do líquido sinovial permanece detectável até 6 dias após o início do antibiótico) ou para um patógeno no qual métodos de diagnóstico convencionais permanecem sub-ótimos.

Um diagnóstico etiológico é altamente recomendado, apesar da maioria dos casos de IOA com cultura negativa poder ser tratado com sucesso com antibióticos empíricos. É importante estabelecer um diagnóstico microbiológico para ajustar a terapia e descartar causas não infecciosas da doença.

A artrocentese tem objetivo terapêutico na AS. Já a necessidade de uma aspiração óssea para uma suspeita de osteomielite sem complicações é mais controversa, porque este procedimento não parece afetar o resultado dessas infecções.

3. Exames de imagem

A Radiografia simples é considerada um exame básico e importante em todos os pacientes, para comparação das alterações subsequentes se a doença não melhorar rapidamente e para exclusão de outras condições. Alterações encontradas:

  • Osteomielite aguda: frequentemente normal no início do quadro. Exames subsequentes mostram alterações osteolíticas ou elevação periosteal, principalmente 10 a 21 dias após o início dos sintomas.
  • Osteomielite subaguda: as alterações observadas podem ser confundidas com neoplasias malignas, que geralmente requerem biópsia para definição diagnóstica.
  • Artrite séptica: utilidade limitada; edema dos tecidos moles.
  • Discite: as radiografias laterais da coluna mostram mudanças tardias em 2-3 semanas de doença, especialmente diminuição do espaço intervertebral e/ou erosão da placa vertebral.
  • Osteomielite vertebral: inicialmente mostra rarefação (desgaste) localizada de um único corpo vertebral, depois destruição óssea anterior. A ressonância magnética pode ser indicada em suspeita de espondilodiscite e osteomielite vertebral ou pélvica.

A ressonância magnética (RM) é o método de imagem mais informativo nas osteomielites, pois pode detectar anormalidades dentro de 3-5 dias do início da doença. Ela revela detalhes do envolvimento dos ossos e dos tecidos moles, incluindo a formação de abscessos, sequestro ou piomiosite associada, assim como trombose venosa contígua, além de ajudar o cirurgião ortopédico no planejamento da cirurgia mais adequada para fins diagnósticos e / ou terapêuticos. Em certas situações onde outras ferramentas clínicas de diagnósticas sugerem fortemente o diagnóstico, ela pode não ser necessária.  Tem indicação precisa em condições clínicas severas,  dúvidas diagnósticas ou na suspeita de complicações. Outras indicações podem ser as seguintes:

  • Artrite séptica: geralmente não indicada, porém pode ser útil na suspeita de osteoartrite. Em um estudo recente observou-se que 35% das crianças com osteomielite aguda tinham uma artrite séptica concomitante.
  • Espondilodiscite e Osteomielite vertebral: exame necessário nessas suspeitas por detalhar o envolvimento dos ossos e tecidos moles e para descartar o abscesso epidural e presença de tumor.
  • Piomiosite: alta sensibilidade e especificidade, especialmente útil para o quadril e pelve.

As desvantagens deste exame: tempo demorado para sua realização, necessidade de sedação ou anestesia em crianças pequenas e é contra-indicada quando corpos estranhos metálicos e certos tipos de hardware estiverem implantados.

Tomografia Computadorizada (TC)  – geralmente não é recomendada. Ela é menos sensível em comparação com a RM na detecção de lesões ósseas precoces e expõe as crianças a altas doses de radiação. Pode ser indicada quando não se consiga realizar RM.

  • Pode ajudar nos procedimentos guiados, como aspiração ou drenagem, e pode não precisar de sedação devido ao curto período de tempo necessário para sua realização.

Ultrassonografia (US) – mais indicada para artrite séptica, pois tem uma alta sensibilidade para o diagnóstico de derrame articular, embora com menor especificidade. Indicada em todas as suspeitas de AS, a menos que ela seja facilmente diagnosticada por exame físico. Pode ser útil para o osteomielite, principalmente no diagnóstico de formação de abscessos e anormalidades do tecido mole subjacente (piomiosite, celulite, etc.) e pode guiar a aspiração terapêutica ou diagnóstica e/ou drenagem. O US Doppler pode detectar precocemente um alto fluxo vascular no osso infectado.

Cintilografia Óssea  – usada para identificar o envolvimento ósseo multifocal e documentar o local da OA quando os sintomas esqueléticos locais estão mal definidos. Tem uma alta sensibilidade, mas menos especificidade, e ambas são mais baixas nos neonatos. Pode dar resultados falsos negativos na infância e com patógenos virulentos (MRSA). A Tomografia por emissão de pósitron (PET-TC) pode aumentar a sensibilidade da cintilografia óssea quando a coluna vertebral está envolvida. Pode ser uma opção quando a RM não for acessível. Esta técnica envolve uma quantidade significativa de exposição à radiação.

Dose da radiação:

  • Radiografia convencional: tórax 1 incidência 0.02 mSv; tórax 2 incidências  0.1-0.2 mSv; Joelho 2 incidências 0.001-0.01 mSv,
  • TC: Tórax 3-5 mSv; Abdome 5-8 mSv; Extremidades 4-5 mSv; Coluna 8-10 mSV
  • Cintilografia usando Tc-99m: 3-6 mSv (mesmo que 200-750 radiografias de tórax)

 

 

 

 

Diagnóstico diferencial

Deve-se suspeitar de outro diagnóstico quando a infecção não evolui adequadamente e não há isolamento de nenhum agente infeccioso. Outros tipos de infecção, doença reumatológica ou neoplasias estão entre as entidades que podem ser confundidas com IOA.

 

Tratamento

  • O tratamento inicial inclui drenagem adequada da secreção purulenta, com coleta de amostras para estudos microbiológicos e iniciação rápida da antibioticoterapia empírica.
  • A escolha da terapia antimicrobiana empírica baseia-se nos patógenos causais mais prováveis ​​de acordo com a idade do paciente, estado de imunização, doença subjacente, coloração Gram e outras considerações clínicas e epidemiológicas, incluindo prevalência de MRSA.

1. Hospitalização

A maioria das crianças deve ser hospitalizada no início da infecção, pois a terapia intravenosa é geralmente utilizada. Isso é especialmente importante nos pacientes de regiões com altas taxas de S. aureus resistente à meticilina (MRSA) ou S. aureus positivos para leucocidina Panton-Valentine (LPV ), naqueles com maior gravidade clínica e em pacientes de alto risco, como crianças pequenas e pacientes imunocomprometidos. Atualmente não há evidências que suportem o tratamento IOA durante todo o curso da doença com medicações via oral.

Uma abordagem alternativa usada por alguns centros quando os antibióticos IV ainda são necessários para situações específicas é o uso de um cateter central de inserção periférica (CCIP) para um tratamento antibiótico uma vez/dia como terapêutica parenteral ambulatorial. No entanto, terapia IV prolongada pode estar associada a complicações relacionadas ao cateter e, além disso, a terapia oral complementar não parece aumentar o risco de falência do tratamento em comparação com a terapia intravenosa prolongada em crianças com IOA.

2. Antibioticoterapia

Terapia IV empírica

Qualquer terapia empírica deve incluir cobertura de S. aureus. Quando a prevalência de MRSA adquirido na comunidade é de 10% – 15% ou mais, esse patógeno deve ser incluído na escolha da terapia empírica. O nível de gravidade também pode diminuir o limiar para iniciar a terapia anti-MRSA ou outras medidas adjuvantes. Padrões de resistência locais atualizados são necessários para decidir a melhor terapia empírica inicial.

Considerações quanto à terapia empírica:

  • Beta-lactâmicos, como cefalosporinas de primeira geração e penicilinas antiestaficocicas, são as drogas de escolha. Clindamicina é um tratamento adequado, especialmente em locais com elevada taxas de MRSA adquiridos na comunidade.
  • Amoxicilina-clavulanato pode ser uma opção, embora não haja dados publicados disponíveis, além de relatos de maior taxa de efeitos adversos.
  • Os antimicrobianos com atividade contra Kingella devem ser considerados em crianças <5 anos de idade, especialmente em áreas com altas taxas de incidência.

 

 

 

Tratamento de MRSA ou MSSA PVL-positivo

Se o MRSA adquirido na comunidade for um possível agente, a Clindamicina pode ser utilizada. Já para os casos com bacteremia concomitante, há divergências na literatura; alguns autores recomendam cautela no uso deste antibiótico, já outros mostram boa experiência com clindamicina nesta situação. Presença de endocardite, trombose venosa profunda (TVP), bem como a resistência induzida ao macrolideo-lincosamida-estreptograminas, devem ser descartadas antes de tratar crianças com IOA por MRSA adquiridas na comunidade com clindamicina. Alguns especialistas consideraram o tratamento de IOA com clindamicina ± rifampicina, mesmo que o MRSA seja sensível à clindamicina. A clindamicina pode ser combinada com uma beta-lactâmico para cobrir a MSSA até que a sensibilidade bacteriana esteja disponível. É importante suspeitar de S. aureus leucocidina Panton-Valentine (LPV) positivo (incluindo MRSA) se a infecção não responder ao tratamento empírico, é recorrente, multifocal ou associada a um processo necrotizante. Ressaltamos que a Clindamicina tem efeito neutralizador da LPV.

A vancomicina em doses elevadas (60mg/Kg/dia) é indicada para casos de infecção grave, nos quais as cepas de MRSA adquiridos na comunidades ou resistentes à clindamicina são uma preocupação. No entanto, há pouca evidência da eficácia da vancomicina na IOA, e outros antibióticos podem ser usados ​​(daptomicina ou linezolida), especialmente se não há nenhuma resposta inicial ou concentração mínima inibitória para vancomicina ≥2 μg/mL. A rifampicina pode ser associada aos esquemas de qualquer um dos 3 antibióticos anteriormente citados, mas com pouca evidência. Outras opções podem ser quinolonas ou sulfametoxazol-trimetoprim (pouca experiência em crianças) ± rifampicina.

Em casos graves ou circunstâncias especiais, pode-se considerar a adição de um antibiótico inibidor de toxina, como clindamicina, rifampicina ou linezolida. Embora com dados escassos, essa estratégia é considerada para adultos e nas Diretrizes britânicas, em crianças e adultos com S. aureus PVL positivo. No caso de infecções por MSSA PVL-positivas (PVL +), o tratamento com cefalosporinas de primeira geração ou penicilina antiestaficocócica e adição de clindamicina pode ser adequada. O problema é que  na maioria das situações, os clínicos não têm os resultados de PVL para orientar a terapia da IOA.

 

Terapia direcionada

Uma vez que um microorganismo tenha sido isolado e sua sensibilidade determinada, a antibioticoterapia deve ser direcionada.

 

Alergia

Aos pacientes com alergia aos beta-lactâmicos, as opções são clindamicina, glicopeptideos, quinolonas, linezolida e sulfametoxazol-trimetoprim. As melhores alternativas para cobrir a possibilidade de infecção por Kingella são sulfametoxazol-trimetoprim e quinolonas (a levofloxacina pode ser superior à ciprofloxacina). A utilização de sulfametoxazol-trimetoprim e de quinolonas podem não ser ideal para Streptococcus pyogenes.

 

Terapia oral

Após tratamento inicial IV, a  terapia oral tem sido utilizada e é equiparável  à terapia IV prolongada, tendo como vantagem a menor associação com complicações.

 

Mudança da terapia IV para VO

A troca da antibioticoterapia para oral precoce tem sido utilizada em crianças com melhora clínica (embora existam provas limitadas e prática variável). Podemos utilizar como critérios de melhora:

  • Afebril ou diminuição da temperatura por 24-48 horas;
  • Melhora dos sintomas, com diminuição da inflamação e dor;
  • Diminuição em PCR em cerca de 30% -50% do valor máximo;
  • Sem sinais de complicações, tais como focos metastáticos (endocardite, pneumonia, etc.) ou trombose venosa profunda;
  • Ausência de patógenos virulentos, como Salmonella , MRSA ou PVL +;
  • Hemocultura negativa, se inicialmente positiva.

De acordo com fontes avaliadas, não há dados confiáveis quanto à duração da terapia IV em crianças jovens e neonatos. A maioria dos especialistas trata os recém-nascidos e < 3 meses de idade com terapia IV e com duração total mais prolongada (4-6 semanas). No entanto, há alguma experiência pessoal em trocar para VO após uma duração mínima de terapia IV (por exemplo, 10-14 dias) após o período neonatal.

 

Recomendação de Acordo com Resultado da Cultura

1. Culturas Negativas

Nas infecções com culturas negativas, a recomendação é continuar com um antibiótico oral semelhante à classe utilizada no tratamento IV.

  • Em regiões com incidência elevadas de MRSA: clindamicina ± cefalosporina (esta última em crianças mais jovens) – as alternativas para a clindamicina podem ser sulfametoxazol-trimetoprim, quinolonas ou linezolida.
  • Em regiões com baixa incidência de MRSA: cefalosporina de primeira / segunda geração. Clindamicina é uma boa alternativa especialmente em crianças> 2 anos de idade. A amoxicilina-clavulanato pode ser uma opção alternativa, mas faltam evidências consistentes e a tolerância é pior.

 

2. Culturas Positivas

Em infecções com culturas positivas, seguir as recomendações do padrão de sensibilidade.

 

Duração da Terapia

A duração da terapia total, IV mais VO, deve ser em média de 2-3 semanas para AS e 3-4 semanas para osteomielite. Embora com evidência menor, para a piomiosite, utiliza-se de 2-6 semanas de terapia total (com alguns dias de terapia IV).

Pode ser necessária uma terapia mais prolongada (4-6 semanas) nas seguinte situações:

  • Patógenos resistentes ou incomuns (por exemplo, MRSA, PVL + e Salmonella);
  • Recém nascidos e crianças pequenas (<3 meses);
  • Resposta pobre/lenta ou complicações;
  • infecções complexas;
  • Envolvimento da pelve ou da coluna vertebral;
  • Sepse;
  • Crianças imunodeficientes.

Antes do término do tratamento, a maioria dos sintomas deve ter desaparecido e a PCR normalizado. Crianças com doença complexa, problemas subjacentes, progressão dos sintomas ou imunodeficiência precisam ser cuidadosamente avaliadas.

 

Tratamento adjuvante

Um ensaio sugeriu que a terapia sintomática de dor e febre com anti-inflamatórios não hormonais (AINH), em doses elevadas durante a fase aguda e enquanto os sinais de inflamação estão presentes, é benéfica. Embora alguns estudos, incluindo um estudo randomizado e controlado com placebo, pareçam ter mostrado uma recuperação mais rápida em crianças com AS,  a adoção generalizada de utilização dos corticoides não é recomendada até que estudos prospectivos maiores sejam realizados. Os corticosteroides podem atrasar o diagnóstico de artrite de origem não infecciosa.

 

Abordagens Cirúrgicas

1. Osteomielite

Estudos mostram que até 90% dos pacientes com osteomielite tratados com antibióticos, especialmente quando iniciados precocemente, podem se curar sem intervenção cirúrgica. A cirurgia geralmente não é necessária (exceto se a aspiração / drenagem é indicada, por exemplo, no caso de abscesso) e poderia, em alguns casos, prolongar a recuperação. Todavia, cirurgia deve ser considerada se o paciente não evoluir com melhora em poucos dias do início da antibioticoterapia ou em casos de suspeita de complicações.

O consenso não é claro na necessidade, extensão, melhor momento ou procedimentos para drenagem cirúrgica. Para decisão, os seguintes fatores devem ser levados em consideração:

  • Resposta clínica à antibioticoterapia (persistência de febre > 72-96 horas ou reaparecimento da mesma);
  • Abscesso periosteal com febre persistente e elevação da PCR;
  • Tamanho e posição do abscesso, como na proximidade de uma placa de crescimento (embora mesmo abscessos > 3mm tratados só com antibióticos possam ter boa resposta);
  • Sequetro;
  • Identificação de MRSA ou PVL (tendem a aumentar a necessidade de cirurgia);
  • Osteomielite crônica ou presença de prótese.

 

2. Artrite Séptica

  • Após o diagnóstico de AS, recomenda-se drenagem e irrigação conjuntas. Um atraso na terapia efetiva, incluindo a drenagem, pode estar associado a piores resultados. Alguns estudos apontam que a drenagem e antibioticoterapia iniciadas dentro de 5-7 dias apresentam um prognóstico mais favorável. A drenagem geralmente é mais importante em neonatos e crianças <18 meses, com AS da articulação do quadril ou ombro.
  • Classicamente, a drenagem cirúrgica por artrotomia tem sido realizada, mas artrocenteses ou artroscopia, dependendo da experiência do médico, podem ser efetivas em vários casos de AS. Ambos os procedimentos são minimamente invasivos em comparação com a artrotomia. Alguns cirurgiões ortopédicos preferem a artrotomia à punção, pois há uma remoção mais completa da secreção purulenta. Somente poucos estudos mostraram que a artrocentese pode ser uma abordagem adequada em crianças com AS, mesmo quando envolvem ombro e quadril.
  • A artrotomia pode ser considerada em alguns casos de AS de quadril ou ombro em crianças pequenas (3-6 meses), duração mais prolongada dos sintomas (5-7 dias) e com patógenos mais virulentos (MRSA ou PVL +), porque a taxa de complicações e sequelas podem ser maiores neste grupo. Alguns estudos encontraram uma associação entre AS do quadril e maior desenvolvimento de sequelas e, portanto, alguns autores sugerem artrotomia quando esta articulação está envolvida.
  • Em alguns serviços de saúde, AS sem complicações de joelho, tornozelo e quadril são tratadas com procedimento estéril de repetidas aspirações com agulha (sistema fechado) e lavagem, em crianças mais velhas – considerar cirurgia se 2-3 ou mais intervenções forem realizadas.
  • A artroscopia tem sido associada a períodos mais curtos de internação e pode proporcionar uma melhor visualização do espaço articular para fins de prognóstico.
  • Geralmente, mesmo após a artrotomia, não há necessidade de “imobilização”, exceto pelo controle da dor ou risco de fratura, embora alguns cirurgiões ortopédicos recomendem isso, especialmente após AS do quadril, para evitar uma luxação potencial da articulação.
  • Há pouca evidência para colocação rotineira de um dreno no local. Se considerado devido à extensão da infecção ou dificuldade no desbridamento, os drenos devem ser inseridos o mais brevemente possível.

 

Fisioterapia

A reabilitação é uma parte muito importante na gestão da IOA, especialmente na AS e após a cirurgia. Embora a lesão na área envolvida seja evitada, a mobilização imediata é crucial para a prevenção de complicações, como a rigidez.

  • Dependendo do local e da gravidade da OM, algum tipo de dispositivo de suporte e/ou proteção pode ajudar a prevenir o desenvolvimento de uma fratura patológica;
  • O rolamento sem peso é considerado essencial no controle precoce da dor para o curto e longo prazo;
  • Podem ser recomendados dispositivos de suporte (isto é, espartilhos) em caso de espondilodiscite;
  • O tratamento das IOA é multidisciplinar e discutido caso a caso.

 

Sequelas e Complicações

O diagnóstico precoce e o tratamento adequado estão associados a resultados excelentes, prevenção de inflamação crônica e desenvolvimento de sequestro e fístula. Sequelas comuns são: claudicação,  assimetria, dor crônica, rigidez e inflamação crônica na ausência de um agente infeccioso.

 

Seguimento

  • Após a hospitalização, recomenda-se o acompanhamento por ortopedista e pediatra com experiência em doenças musculoesqueléticas (especialmente em lactentes, e naqueles com envolvimento do quadril e comprometimento da placa epifisária) em aproximadamente 2 semanas, 4-6 semanas, 3 meses e 12 meses após a alta;
  • Considere um acompanhamento mais longo em crianças com envolvimento da pelve, coluna vertebral e quadril, ou se a placa epifisária é afetada, especialmente em crianças mais jovens;
  • Antes da alta do seguimento, a atividade normal sem dor é um ponto importante;
  • O check-up deve incluir: investigação clínica, PCR, e US – radiografia, apenas quando indicado;
  • Fornecer AINH ou analgesia conforme necessário.

É importante procurar trombose venosa profunda (TVP) em casos de osteomielite por S. aureus grave e especialmente quando MRSA / PVL +. No caso da TVP, recomenda-se discutir as melhores opções de tratamento com um hematologista pediátrico. A heparina de baixo peso molecular pode ser iniciada e mantida até a TVP ser resolvida. Para pacientes com TVP, os antibióticos geralmente são administrados por períodos mais longos de tempo, embora não haja evidência de qual seria o período de terapia ideal para esta situação.

 

 

Resumo das Recomendações

  1. A infecção óssea e articular (IOA) ocorre mais frequentemente nas crianças < 5 anos, acometendo os ossos e articulações e ossos dos membros inferiores (Classe IIA).
  2. Staphylococcus aureus é o microorganismo mais prevalente nas crianças. Além disso, Kingella kingae é um patógeno causador comum em crianças <5 anos em algumas regiões (Classe IIA).
  3. A PCR e a velocidade de hemossedimentação têm alta sensibilidade. A sensibilidade é ligeiramente aumentada ao combinar os 2 testes, enquanto a especificidade é baixa (Classe IIB).
  4. O ultrassonografia (USG) possui uma alta sensibilidade para o diagnóstico de AS, enquanto que a RM é o estudo de imagem mais confiável para o diagnóstico de infecções ósseas e articulares globalmente (Classe IIA).
  5. O isolamento de um microorganismo do osso, articulação ou sangue com síndrome clínica ou radiológica compatível com IOA é o padrão-ouro para diagnóstico em crianças (Classe IIA).
  6. A antibioticoterapia empírica deve ser iniciada o mais rápido possível, após a coleta de amostras apropriadas para análise microbiológica, ao suspeitar de IOA em crianças (Classe IIA).
  7. A terapia empírica deve incluir um antibiótico com cobertura adequada contra MSSA e contra MRSA em áreas geográficas com mais de 10% a 15% de prevalência desta bactéria (Classe IIA).
  8. A terapia empírica em crianças pequenas deve incluir cobertura adequada para K. kingae em áreas onde são relevantes (Classe IIA).
  9. As cefalosporinas de primeira geração, as penicilinas antiestafilocócicas e a clindamicina são os antibióticos mais estudados para IOA em crianças (Classe IIA).
  10. Se a infecção pelo MRSA é suspeita e o paciente não está gravemente enfermo, a terapia empírica deve incluir clindamicina se a taxa de S. aureus resistente à clindamicina for inferior a 10% -15%. Um glicopeptídeo ou outro antibiótico apropriado para MRSA, como linezolida, deve ser incluído se as taxas de MRSA locais resistentes à clindamicina forem altas (Classe IIIB).
  11. A AS em crianças deve ser tratada com drenagem articular por artrocentese, artrotomia ou artroscopia, dependendo da preferência e experiência dos médicos assistentes. A artrocentese pode ser apropriada como o único procedimento invasivo na maioria dos casos não complicados de AS em crianças (Classe IIB).
  12. A terapia intravenosa (IV) de curta duração, seguida de terapia oral, é apropriada na maioria das crianças com IOA não complicada com base na ausência de complicações e desfecho favorável (Classe IA).
  13. A terapia antibiótica oral de seguimento deve ser baseada pelo padrão de susceptibilidade antibiótica da bactéria, quando essa é isolada; se susceptíveis, os antibióticos de escolha são cefalosporinas de primeira geração e clindamicina (Classe IIA).
  14. A duração total mínima da antibioticoterapia deve ser 2-3 semanas para AS e 3-4 semanas para OM (Classe IA).
  15. IOA complicada ou de alto risco, como as causadas por Salmonella, MRSA ou MRSA – LPV, originando-se em crianças pequenas ou com melhora clínica lenta, podem precisar receber maior duração  de terapia intravenosa e oral (Classe IIB).
  16. Os fatores de risco associados às sequelas incluem: crianças pequenas e recém nascidos, infecções causadas por cepas MRSA ou positivas para LPV, maior duração dos sintomas antes do início do tratamento e envolvimento do quadril. Assim, as crianças com IOA que tenham algum desses fatores de risco devem ser seguidas de forma mais próxima e por mais tempo para descartar ou tratar sequelas (Classe IIB).
  17. Uma equipe multidisciplinar deve seguir crianças com IOA até que a função osteoarticular seja restaurada e as sequelas resolvidas. Se o crescimento ósseo for a única preocupação, um ortopedista será o suficiente. Os lactentes com IOA no quadril ou com qualquer comprometimento físico devem ser seguidos por longos períodos (Classe IIB).

 

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Dr. Breno Montenegro Nery

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação pela Universidade Federal de Pernambuco e especialização pela Unicamp.

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