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Os Tratamentos não Antibióticos para Doenças Bacterianas em uma Era de Resistência Progressiva aos Antibióticos (Critical Care – Dez 2016, 20:397)

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Nesta semana, trazemos o resumo de um artigo publicado na revista Critical Care que aborda uma questão de extrema importância para a medicina: a crescente resistência bacteriana aos antibióticos, com o consequente surgimento de bactérias multirresistentes, e quais as possíveis estratégias futuras, não-antibióticas, para minimizar o problema. 

Recentes descobertas de genes transferíveis por plasmídeos que medeiam a resistência aos carbapenêmicos  e à colistina indicam que a última barreira defensiva contra os agentes patogênicos resistentes a multidrogas já foi violada. Agora nós enfrentamos uma realidade desconfortável: a era pós-antibiótico chegou e precisamos lidar com patógenos bacterianos panresistentes. Precisamos considerar nossas opções restantes e desenvolver novas opções em um mundo onde não podemos mais contar apenas com os antibióticos para a cura de infecções. As oportunidades não antibióticas para tratar infecções bacterianas graves existem como opções possíveis e são descritas abaixo:

Dispositivos de hemofiltração: os filtros extracorpóreos de remoção de patógenos, que podem ligar e remover uma série de patógenos do organismo, estão em desenvolvimento. A redução da carga bacteriana por hemofiltros poderia, teoricamente, permitir que o sistema imunológico inato e adaptativo do hospedeiro removesse os agentes patogênicos residuais apesar da panresistência aos agentes microbianos.

Inibidores de detecção de quórum: muitas bactérias utilizam alguma forma de comunicação intercelular para alertar patógenos sobre a sua concentração bacteriana coletiva. Se forem detectadas concentrações elevadas, patógenos podem mudar seus perfis de transcrição para um fenótipo invasivo. Uma impressionante variedade de moléculas naturais e sintéticas podem bloquear a detecção de quórum e melhorar os resultados em modelos experimentais de infecção sistêmica. Agora, se os inibidores de detecção de quórum serão de benefício clínico prático contra patógenos multirresistentes, isso continua a ser objeto de amplo debate.

Bacteriófagos líticos: o uso de bacteriófagos (vírus que lisam bactérias específicas) como um substituto para os agentes antimicrobianos contra patógenos panresistentes continua a ser uma opção atraente, apesar de numerosos desafios. Bacteriólise por fagos selecionados é comparada à atividade de um antibiótico rapidamente bactericida contra bactérias sensíveis. O fago invade as bactérias através da ligação a receptores de superfície das bactérias, replicando-se no meio intracelular e matando o hospedeiro bacteriano por digestão de peptidioglicanos da parede celular. Os fagos são onipresentes na natureza e são inofensivamente ingeridos na nossa dieta diariamente, aos milhões. A terapia de fagos pode ser administrada topicamente em feridas abertas ou infecções superficiais, ou administrado por via intravenosa para utilização em infecções sistêmicas.

Apesar de todas as vantagens teóricas da terapia com bacteriófagos líticos para patógenos multirresistentes, existem inúmeros inconvenientes e desafios práticos. O grande problema é a sua especificidade. O fago infecta apenas uma cepa de bactérias, o que impede a sua utilização como terapia empírica de infecções agudas. Além disso, a bactéria responsável pela infecção tem que ser identificada. Um laboratório hospitalar de estocagem com um acervo completo de fagos específicos para cada patógeno bacteriano concebível será um grande desafio.

Imunoterapias avançadas: imunoterapia para tratar doenças infecciosas não é uma ideia nova, porém o desenvolvimento de inovações na geração de anticorpos humanos policlonais e monoclonais de elevada afinidade contra uma série de alvos moleculares está tornando mais atraente esta abordagem. Imunização ativa adjuvante com vacinas contra multiepítopos estão em desenvolvimento, assim como os anticorpos monoclonais e policlonais, como terapias passivas contra patógenos bacterianos. Os adjuvantes imunológicos estão em desenvolvimento clínico para impulsionar as imunidades adaptativas celular e humoral do hospedeiro. Diversos adjuvantes estão sob investigação, incluindo a interleucina-7, fator estimulador de colônias de macrófagos e granulócitos, anticorpo indutor de apoptose, entre outros. Espera-se que tais adjuvantes imunológicos possam beneficiar pacientes com imunossupressão induzida por sepse.

Esforços alternativos para limitar a virulência: inibidores da citotoxinas a base de lipossomas foram modificados para capturar uma variedade de toxinas bacterianas com capacidade de lise de membranas celulares. Estes lipossomas servem como chamarizes de membrana celular para absorver citotoxinas e assim proteger as células humanas de lesões. Este mecanismo de defesa não antibiótico protege experimentalmente e poderia complementar agentes antimicrobianos no tratamento de infecções bacterianas produtoras de exotoxinas.

Tolerância não imune a patógenos: os eventos de desenvolvimento de tolerância não imunes permitem que o hospedeiro sobreviva e coexista na presença de uma potencial ameaça microbiana. Isso representa uma nova maneira de abordar o problema de patógenos multirresistentes. Os tratamentos seriam destinados a garantir a segurança e estabilidade do hospedeiro até que o clearance imune elimine o patógeno. Um exemplo de tolerância não imune é visto na diferente suscetibilidade de grupos de ratos (e provavelmente humanos) à doença do vírus Ebola. Dentro de uma mesma raça de ratos, varia dramaticamente a suscetibilidade à mesma cepa e dose de vírus Ebola. A explicação genética é encontrada principalmente na variação da expressão de um único gene conhecido como Tek, o homólogo humano para o receptor de tirosina quinase para angiopoietina-1. Altos níveis de angiopoietina1 / Tie2 promovem a proteção da barreira endotelial. Os vírus Ebola visam especificamente o endotélio e matam as células endoteliais. As raças de ratos com níveis elevados de Tek são capazes de defender as suas superfícies endoteliais com maior eficácia até que as células imunes adaptativas (células CD8 citotóxicas) cheguem, aproximadamente 7 dias após a infecção, para eliminar o vírus. Talvez terapêuticas não imunes contra doenças infecciosas possam fornecer algumas opções contra patógenos multirresistentes na prática clínica.

Os autores finalizam o artigo com a seguinte conclusão:

A disseminação progressiva de genes de resistência aos antibióticos está nos forçando a reconsiderar nossas opções de tratamento contra alguns patógenos bacterianos. O tratamento de infecções bacterianas provavelmente se tornará mais desafiador no futuro. Precisamos proteger os antibióticos que já temos, desenvolver novos e redobrar nossos esforços para gerar novas terapias contra patógenos bacterianos.

Reflexão da equipe PortalPed: o aumento de resistência bacteriana tem sido mais rápido do que o desenvolvimento de novas terapias antimicrobianas. Nos deparamos com muita frequência com a prescrição de antibióticos, seja no consultório, pronto-socorro, enfermarias e UTIs. Temos que nos questionar diariamente se o nosso paciente realmente precisa iniciar ou manter o antibiótico já prescrito. Também temos que fazer uma autorreflexão: estamos realmente tratando o paciente ou nossa ansiedade? Estamos com foco no paciente ou estamos fazendo uma medicina protecionista? O paciente realmente está se beneficiando da terapêutica proposta? Cabe à indústria farmacêutica e aos cientistas desenvolverem novas soluções para o arsenal de tratamento de bactérias multirresistentes, e cabe ao médico, no dia a dia, minimizar o impacto de suas ações com o uso racional de antimicrobianos.

Acesse o artigo na íntegra aqui.

 

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Dr. Antonio Girotto

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação pela Universidade do Sul Santa Catarina e especialização pela Unicamp.

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