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Ingestão de corpo estranho em pediatria: mecanismos de lesão e conduta

Como proceder em casos de ingestão de baterias, ímãs, objetos pontiagudos, superabsorventes e similares?

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Ingestão de corpos estranhos (chamaremos de “CE” ao longo do texto) em crianças é um cenário desafiador. É necessária uma somatória de variáveis – como idade do paciente, objeto ingerido, tempo de ingestão, localização do objeto, sintomas e acesso à endoscopia digestiva –para que possamos definir qual a conduta correta a ser tomada.

Geralmente, esta é uma situação angustiante para o pediatra. Sempre nos perguntamos: qual objeto vai passar com maior facilidade e qual terá mais chance de evoluir com algum tipo de complicação? Além disso temos que lidar com a ansiedade, justificada, da família.

Some-se a isso o fato de que as informações muitas vezes são imprecisas na faixa etária pediátrica: tempo de ingestão, se realmente ingeriu, qual objeto ingeriu…

Sendo assim, fizemos uma revisão sobre este assunto, que você encontra logo a seguir. Utilizamos como principal referência a publicação do NASPGHAN de 2015 (“Management of Ingested Foreign Bodies in Children: A Clinical Report of the NASPGHAN Endoscopy Committee”). É importante enfatizar que não existe uma única recomendação e faltam evidências científicas que suportem uma única orientação, sendo importante adequar as condutas para a realidade de cada serviço.

 

Epidemiologia da ingestão de corpo estranho em pediatria

A ingestão de corpo estranho ocorre predominantemente na faixa etária pediátrica, sendo que 75% ocorre abaixo de 5 anos. Em sua grande maioria, é um evento acidental e envolve objetos comuns encontrados no ambiente doméstico, como moedas, brinquedos, joias, ímãs e baterias. A remoção endoscópica é necessária em 10-20% dos casos e a mortalidade é baixa (1:2.200 crianças).

Localização do CE

  • Orofaringe: 5-10%
  • Esôfago: 20%
  • Estômago: 60%
  • Pós-estômago: 10%

 

Sintomas da ingestão

A maior parte dos eventos é assintomática, o que torna uma boa anamnese ainda mais importante. Os sintomas geralmente são decorrentes da impactação do CE no terço superior do esôfago e se caracterizam por:

  • dor retroesternal,
  • cianose,
  • dispneia,
  • disfagia,
  • sialorreia,
  • estridor,
  • sibilância,
  • engasgo,
  • vômito,
  • soluços e
  • diminuição da ingesta.

Nos casos de impactação crônica de CE no esôfago, as manifestações encontradas são pneumonia, perda de peso, síndromes aspirativas e mediastinite.

crianca engasgando - pediatria

Os sintomas relacionados com CE em outra localização geralmente são decorrentes de complicações e manifestam-se como dor e/ou distensão abdominal, vômitos, enterorragia ou melena.

 

Avaliação inicial

Uma história clínica detalhada e exame físico são fundamentais para o diagnóstico. Todos os pacientes com suspeita de ingestão de CE devem ser radiografados (Rx cervical, tórax e abdome – 2 incidências).

Os objetos opacos são: vidro, maioria dos metais (exceto alumínio) e ossos de animais. Já os lucentes são espinha de peixe, madeira, plástico e alumínio.

“Todos os pacientes com suspeita de ingestão de CE devem ser radiografados (Rx cervical, tórax e abdome – 2 incidências)”

De acordo com cada caso, considerar a realização de outros exames de imagem para objetos não opacos: tomografia computadorizada, ressonância nuclear magnética, ultrassonografia e exame contrastado. Essa avaliação adicional depende das características do paciente e do corpo estranho suspeito. Para pacientes sintomáticos ou CE suspeito, com características de risco (>2cm de largura, >5cm de comprimento, afiado) – avaliar realização de CT com reconstrução 3D.

Características de risco do Corpo Estranho

Maior que 2cm de largura,

Maior que 5cm de comprimento,

Afiado

 

 

Complicações possíveis

  • Aspiração e obstrução de via aérea;
  • Formação de fístula ou estenose;
  • Obstrução, perfuração ou sangramento do trato gastrointestinal;
  • Erosão no esôfago, aorta ou outras estruturas;
  • Fístula traqueoesofágica;
  • Perfuração esofágica;
  • Estenose esofágica;
  • Paralisia de cordas vocais por lesão do nervo laríngeo recorrente;
  • Mediastinite, pneumotórax, fístula aortoentérica.

 

Suspeita de ingestão de Corpo Estranho – como proceder?

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Adaptado de J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2015 (JPGN 2015;60: 562–574)

 

OBJETOS COMUMENTE INGERIDOS

MECANISMOS DE LESÃO E COMO REALIZAR A CONDUTA

 

BATERIAS

As baterias são objetos frequentes relacionados com ingestão de CE em crianças. Elas podem ser de óxido de mercúrio, óxido de prata, óxido de manganês, zinco e lítio.

Dados no National Capital Poison Center de 1992 mostravam 2.300 casos de ingestão de baterias em crianças, com 0,1% de evolução grave e nenhum caso relatado de morte. Já dados de 2010 mostram uma elevação importante no número de casos e na gravidade. Foram 8.600 casos, sendo 0,8% com evolução grave (todas envolvendo esôfago) e 0,15% de mortalidade. O aumento de casos graves e mortalidade está relacionado com o aumento do tamanho das baterias (impactação esofágica) e o crescimento das baterias de lítio para uso em aparelhos domésticos (maior entrega de voltagem). Cerca de 95% dos óbitos são relacionados a essa associação (baterias grandes + lítio).

O risco de evolução desfavorável é maior em crianças menores de 5 anos, ingerindo baterias maiores de 20mm e com ingestão de múltiplas baterias.

Mecanismo de lesão

São 3 os mecanismos que podem estar envolvidos com lesões por ingestão de baterias:

  • Geração de radicais hidróxido na mucosa, resultando em uma lesão cáustica: a elevação do polo negativo da bateria já se inicia 30 minutos após a ingestão. Inicia-se necrose da lâmina própria do esôfago, estendendo-se à camada muscular externa (30 minutos), com risco de evolução para necrose após 2 horas. A lesão pode seguir evoluindo por dias a semanas após a remoção da bateria.
  • Necrose por pressão direta;
  • Contato da mucosa com os 2 polos da bateria, gerando descarga elétrica. Isso promove necrose por liquefação e perfuração.

O risco é 3 vezes maior com baterias novas. Todavia, um alerta: as baterias de lítio possuem carga residual suficiente para causar lesão mesmo quando não funcionam mais.

 

Conduta em casos de ingestão de baterias

As baterias localizadas no esôfago devem sempre ser removidas por endoscopia, mesmo em casos assintomáticos. Qualquer evidência de lesão esofágica significativa requer internação hospitalar e tratamento com antibióticos intravenosos e jejum.

Intervenção endoscópica em crianças com uma bateria botão no estômago, ou além, depende da idade da criança, do tamanho da bateria, da presença de sintomas e do tempo desde a ingestão. Fatores como: bateria de 20 mm ou maior, criança menor de 5 anos, presença de sintomas e maior tempo desde a ingestão aumentam risco de morbidade e, portanto, há a necessidade de intervenção endoscópica dentro de 24-48 horas.

PPED - org 002
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Adaptado de J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2015 (JPGN 2015;60: 562–574)

 

IMÃ

É cada vez maior o número de complicações relacionadas à ingestão de imãs. Isso está diretamente relacionado com imãs de alta potência, que estão mais acessíveis e presente em brinquedos magnéticos. Os imãs de neodímio, por exemplo, são 5-10x mais potentes do que os de ferro e provocam lesão mais rápido do que os convencionais. O maior risco é o de fístula entero-entérica, com perfuração, peritonite, isquemia/necrose de alça. As complicações estão relacionadas com ingestão de múltiplos ímãs.

 

Mecanismo de lesão

A atração entre os imãs pode gerar o aprisionamento da alça intestinal e causar perfuração. Mais preocupante ainda é a situação de lesão de vasos mesentéricos, causando hemorragia intraperitoneal.

Tanto a radiografia frontal quanto a lateral devem ser obtidas para determinar se um único ou vários ímãs foram ingeridos. Se um único imã é ingerido, os pacientes devem ser instruídos a não usar ímãs ou objetos metálicos até que o ímã passe por todo trato gastrointestinal. Se vários ímãs estiverem presentes e ao alcance de um endoscópio, eles devem ser removidos com urgência.

A North American Society of Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition relatou 424 casos de ingestão de ímãs nos últimos 10 anos. Destes, 52% necessitaram de endoscopia digestiva alta (EDA), 20% precisaram de EDA e abordagem cirúrgica, 8% somente de cirurgia e 15% somente observação. Dos pacientes submetidos à cirurgia, 41% precisaram de reparo de perfuração ou fístula e 22% de algum grau de ressecção intestinal.

 

Conduta em casos de ingestão de ímãs

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Adaptado de J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2015 (JPGN 2015;60: 562–574)

 

OBJETOS PONTIAGUDOS

Objetos pontiagudos, como palitos de dente, pregos, alfinetes e ossos de peixes, apresentam risco variável de lesão da mucosa. Os eventos adversos podem incluir perfuração, abscesso, peritonite e até a morte.

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Dr. Antonio Girotto

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação pela Universidade do Sul Santa Catarina e especialização pela Unicamp.
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