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Série Intubação Orotraqueal — A Sequência Rápida de Intubação

Neste segundo post da série sobre Intubação Orotraqueal, veremos os procedimentos e medicamentos utilizados na SRI.

Destaques
  • Veja no post a seguir: o que é a SRI, como realizar, quais são as medicações para analgesia e sedação, quais os bloqueadores musculares e mais detalhes sobre os procedimentos
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Dando sequência à nossa série sobre intubação orotraqueal, discuto agora com vocês sobre a sedoanalgesia para a realização do procedimento. Desejo provocar em você, nosso leitor, uma reflexão: você gosta de sentir dor durante um procedimento? Você gostaria de lembrar de um procedimento tão invasivo quanto uma laringoscopia direta e uma intubação? Ou seja: precisamos nos lembrar dos dois lados da moeda quando medicamos um paciente que será submetido à laringoscopia. É claro que a obtenção de um estado ideal para a realização do procedimento, da maneira mais fácil possível, interessa-nos bastante, mas não podemos nos esquecer NUNCA de darmos conforto ao nosso paciente, promovendo controle da dor e amnésia ou dissociação para “conforto mental”. E é isso que discutiremos a seguir.

Em primeiro lugar, discuto a expressão citada em nosso título: “Sequência Rápida de Intubação“, ou, daqui para a frente, SRI.

 

O QUE É A SEQUÊNCIA RÁPIDA DE INTUBAÇÃO

A SRI foi desenvolvida, ou pelo menos consagrada, pelos nossos colegas anestesistas para intubação de pacientes com o estômago cheio, ou cujo tempo de jejum não pode ser estimado e, por esse motivo, têm alto risco para vômitos e broncoaspiração.

Seu principal fundamento é orientar a administração de drogas, de maneira sequencial, para promover sedoanalgesia e bloqueio neuromuscular adequados, sem que tenhamos que reavaliar o estado do paciente após a realização de cada medicação. Dessa forma, após pré-oxigenação adequada e administração sequencial das medicações, a laringoscopia pode ser realizada sem que seja necessária a administração de ventilação com pressão positiva através de dispositivo de bolsa-válvula-máscara (BVM) ou similar, reduzindo a distensão gástrica por aerofagia e, consequentemente, minimizando a ocorrência de vômitos ou refluxo de conteúdo gástrico e broncoaspiração decorrente do mesmo.

Sendo assim, ressalto que o fato de escolhermos as medicações a serem utilizadas dentro de um plano da SRI não implica, necessariamente, que estaremos seguindo a própria SRI, pois ela pressupõe um plano de execução.

Infelizmente, em especial nos pacientes gravemente enfermos, enfrentamos situações de baixa reserva funcional, com casos em hipercarbia ou hipoxemia, o que torna quase que necessária a realização de ventilação com pressão positiva através de BVM previamente ao procedimento, para atingirmos uma situação mais favorável à realização do mesmo. Cabe então, nesse momento, relembrarmos uma sugestão que eu já havia dado no primeiro post: como existe uma chance não desprezível de necessitarmos de ventilação com BVM e, consequentemente, de direcionamento de ar para o trato digestivo, lembre-se de questionar sobre a última refeição e tome a precaução de locar (previamente ao procedimento) uma sonda nasogástrica aberta, que deve ser utilizada para drenagem do conteúdo gástrico antes do início da administração das drogas. Esta sonda deve permanecer aberta durante o procedimento para drenar o ar que for insuflado no estômago, prevenindo, dessa forma, a ocorrência de aspiração de conteúdo gastroentérico. Nesses casos, podemos falar em SRI adaptada. (Uptodate, 2018)

Outra medida de proteção nesses casos é a realização de pressão cricoide, classicamente conhecida como manobra de Sellick. Devemos levar em consideração, porém, que ela pode limitar a visualização da glote e das pregas vocais, dificultando a intubação, além de não haver qualquer evidência consistente de que ela realmente evite a broncoaspiração.

Está documentado em literatura, tanto em trabalhos retrospectivos como prospectivos, que o uso de SRI aumenta significativamente a taxa de sucesso do procedimento, reduz o número de tentativas de laringoscopia e traz segurança ao paciente pediátrico. (1, 2)

 

COMO REALIZAR A SRI?

A SRI é um processo, que se inicia com o preparo do paciente e do equipamento, seguido pela administração das medicações e que culmina na realização da laringoscopia e adequação da cânula orotraqueal. (Uptodate, 2018)

Complementando o primeiro post, então, vou discutir agora a parte medicamentosa.

Intubação Orotraqueal — Preparando-se para o Procedimento

A primeira medicação da SRI é o oxigênio. Devemos SEMPRE pré-oxigenar o paciente. Ofertar oxigênio a 100% através do dispositivo que for mais conveniente, sem realizar pressão positiva, faz com que a pressão parcial arterial de oxigênio (PaO2) aumente e, consequentemente, diminua o risco de hipoxemia durante a realização do procedimento sob curarização. Caso o paciente esteja apneico, obviamente, devemos ofertar o oxigênio através de sistema com pressão positiva, atentando para os aspectos já discutidos anteriormente.

O segundo passo é a pré-medicação.

De acordo com a situação clínica em que nosso paciente se encontra, devemos administrar previamente ao início do procedimento uma droga que, de alguma maneira, prevenirá a ocorrência de algum efeito adverso. No universo pediátrico, basicamente temos duas drogas:

  1. Lidocaína

Deve ser administrada na dose de 1–2 mg/kg, em bôlus, 3 a 5 minutos antes do procedimento, naqueles pacientes com algum grau de hipertensão intracraniana. Originalmente é um anestésico local, porém tem propriedades antiarrítmicas, além de que essa dose é capaz de diminuir o efeito da laringoscopia sobre o aumento da pressão intracraniana, promovendo uma certa neuroproteção. Tal indicação deriva de estudos em adultos. Não existe, até o momento, evidências consistentes de benefício em pediatria, porém essa ainda é uma prática consagrada e não contraindicada. O ponto que reforço é que a SRI e consequente intubação não devem ser atrasadas para administração da lidocaína. (Uptodate, 2018)

  1. Atropina

Pelas novas diretrizes da American Heart Association, a consagrada administração sistemática da atropina antes da intubação de pacientes menores de 1 ano deixou de ser obrigatória. Entretanto, relembro que essa é, sim, uma faixa mais propensa a apresentar bradicardia durante a intubação (Uptodate, 2018). Dessa forma, caso a criança apresente tal sintomatologia, o procedimento deve ser prontamente interrompido e a droga administrada. Em pacientes com tônus vagal aumentado, ou com outros motivos concomitantes para exacerbação de bradicardia (choque avançado ou uso de succinilcolina), deve-se considerar a administração profilática da atropina. (3)

É uma terapia anticolinérgica e, portanto, haverá elevação significativa da frequência cardíaca por aumento do tônus adrenérgico. A dose é de 0,01–0,02 mg/kg, em bôlus.

 

OPÇÕES PARA ANALGESIA NA SRI

Originalmente, a analgesia não está descrita na SRI, porém, classicamente, ela foi incorporada ao processo. O procedimento de laringoscopia é potencialmente doloroso. Ainda que comumente optemos pelo uso de um agente opiáceo, há outras opções. Seguem as sugestões:

  1. Fentanil

Também tem atuação em reduzir a pressão intracraniana e deve ser utilizado nos pacientes que possuam tal situação clínica. Deve ser administrado lentamente, especialmente nos neonatos e lactentes jovens, pois pode promover rigidez muscular e consequente apneia. Pode causar hipotensão e, portanto, deve ser utilizado com cautela em pacientes com choque. (Uptodate, 2018). Dose habitual de 1–3 mcg/kg. Preconiza-se, de maneira geral, que na SRI utilizemos de 2–3 mcg/kg.

  1. Morfina

Tem a desvantagem de induzir a liberação histamínica. Por outro lado, tem a vantagem de poder ser administrada por via subcutânea, com boa biodisponibilidade. Dose habitual: 0,05–0,1 mg/kg.

  1. Derivados do fentanil

Derivados como o sulfentanil, o alfentanil e outros podem ser utilizados, atentando para a dose, tempo de meia-vida e tempo de início de ação de cada droga.

 

SEDAÇÃO NA SRI

Na sequência, devemos nos lembrar da dissociação/amnésia, ou seja, da sedação propriamente dita. Os benzodiazepínicos são os principais medicamentos utilizados, mas não os únicos nessa categoria.

  1. Midazolam

Talvez seja a droga mais utilizada para intubação. Tem baixo potencial de provocar apneia, meia-vida relativamente curta e excelente efeito sedativo e amnésico. É uma droga bastante segura, porém seu uso deve ser cauteloso em pacientes que apresentem hipotensão arterial, visto que esse é o seu efeito colateral mais visto na prática clínica. Também deve ser administrado em bôlus, na dose de 0,2–0,3 mg/kg.

  1. Diazepam

Também bastante utilizado, porém menos estudado para esse fim. Tem meia vida maior se comparado ao midazolam. Também é efetivo e seguro. A dose preconizada também é entre 0,1–0,3 mg/kg.

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Dr. Sidney Volk

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp. Membro do corpo editorial do PortalPed.
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