OftalmologiaPediatria GeralUrgência & Emergência

Conjuntivite Neonatal: como reconhecer e tratar esse perigo

A conjuntivite neonatal pode ser extremamente perigosa, e é diferente daquela encontrada em jovens e adultos. Aprenda a reconhecê-la e aplicar os cuidados corretos.

Compartilhe conhecimento:

Aconjuntivite neonatal, que por definição ocorre até os 28 dias de vida, não é simplesmente uma inflamação da conjuntiva ocular igual à que ocorre com crianças maiores e adolescentes. Por isso mesmo, o cuidado com ela deve ser redobrado. Estima-se que, em até 70% dos casos, o tratamento adequado não é instituído nas primeiras procuras ao atendimento médico.

Além da conjuntivite química, fatores como…

  • Neisseria gonorrhoeae,
  • Chlamydia trachomatis, 
  • Staphylococcus aureus, 
  • Streptococcus pneumoniae,
  • Haemophilus spp,
  • Pseudomonas spp e o vírus do Herpes simples

…são agentes que obrigatoriamente devem ser pensados pelo médico. O diagnóstico e tratamento tardios de uma conjuntivite gonocóccica podem levar à cegueira.

Acompanhe a seguir nossa nova revisão sobre o tema e lembre-se: CONJUNTIVITE NEONATAL ‡ CONJUNTIVITE DE CRIANÇAS OU ADULTOS.

 

CONJUNTIVITE NEONATAL: Definição

Conjuntivite neonatal é aquela que inicia-se até 28–30 dias após o nascimento [1,2,3].

A conjuntivite em um recém-nascido pode ser causada por: ducto nasolacrimal obstruído, irritação produzida pelo nitrato de prata ou antimicrobianos tópicos administrados ao nascimento ou infecção, viral ou bacteriana, transmitida da mãe para o bebê durante o parto. Mesmo mães assintomáticas no momento do parto podem transmitir bactérias ou vírus para seus bebês no momento do nascimento [4].

 

Etiologia da conjuntivite

A conjuntivite pode ser asséptica ou séptica.

A mais comum é a asséptica, causada por uma conjuntivite química pela utilização da solução de nitrato de prata, e menos frequentemente pelo uso de pomada de eritromicina ou iodopovidona [3]. Outras causas não infecciosas menos frequentes são: obstrução do ducto nasolacrimal e corpo estranho.

As infecções bacterianas e virais são as principais causas de conjuntivite séptica neonatal. Dentre as causas bacterianas destacam-se a C. trachomatis, pois é o agente infeccioso mais comum, e a N. gonorrhoeae, pela sua potencial gravidade [2,3,5,6].

Em torno de 30–50% dos casos das conjuntivites infecciosas neonatais são causadas por: S. aureus, S. pneumoniae, Streptococcus viridans e Staphylococcus epidermidis  [2,3,7].

Outras bactérias Gram-negativas, como Escherichia coli, Haemophilus spp, Klebsiella pneumoniae, Serratia marcescensProteus spp, Enterobacter spp e espécies de Pseudomonas também foram implicadas [3,7].

O vírus do Herpes simples é encontrado em menos de 1% dos casos, mas chama a atenção pelo seu risco de transmissão (de 25–60%) durante o parto vaginal de mães com infecção ativa. Assim, o parto cesariano é fortemente recomendado nesses casos [3].

 

Período de incubação

Causas, sintomas e tratamentos

Como os sinais e sintomas são muito semelhantes entre todos os tipos de conjuntivite neonatal, seu aparecimento após o nascimento desempenha um papel importante na determinação da etiologia mais provável.

  • Conjuntivite química: inicia sua sintomatologia nas primeiras 24 horas e apresenta resolução espontânea em 2-4 dias [2,3];
  • Conjuntivite gonocócica: ocorrer entre 2–5 dias após o nascimento, mas pode ocorrer mais tardiamente [2,3];
  • Conjuntivite por C. trachomatis: ocorre mais tardiamente, com período de incubação entre 5–14 dias [2,3];
  • Conjuntivite herpética:  geralmente ocorre nas primeiras 1–2 semanas após o nascimento [2,3].
  • Outras conjuntivites: também ocorrem mais tardiamente, após 5–14 dias [3];

 

Fisiopatologia da conjuntivite neonatal

Os bebês podem adquirir os agentes infecciosos mencionados acima quando passam pelo canal do parto durante o nascimento [3]. No caso da C. trachomatis, embora o parto vaginal represente o maior risco de transmissão, existe um pequeno risco de contrair infecções bebês nascidos por parto cesáreo, tanto com ruptura prematura de membranas quanto com membranas intactas.

Em um estudo com 141 bebês de mães portadoras de C. trachomatis, foi  isolado este agente em 58 de 125 bebês nascidos de parto vaginal, 2 de 10 nascidos de parto cesariana com ruptura de membranas e 1 de 6 nascidos por cesariana sem ruptura de membranas [5].

Os recémnascidos geralmente adquirem infecção gonocócica durante o parto, sendo que a transmissão perinatal ocorre em 30–40% dos casos de infecção cervical materna [6]. Apesar de mais rara, a infecção intrauterina também pode ocorrer após a ruptura das membranas.

A inflamação da conjuntiva pode causar dilatação dos vasos sanguíneos, quemose (edema da conjuntiva) grave e secreção excessiva. Essa infecção tende a ser mais grave em neonatos devido à falta de imunidade, ausência de tecido linfoide na conjuntiva e ausência de lágrimas ao nascimento [3].

 

Manifestação clínica

A conjuntivite neonatal geralmente apresenta sinais e sintomas comuns, o que torna difícil o diagnóstico etiológico. Um dado importante, como já relatado, é o início dos sintomas. Podem ser encontrados: eritema conjuntival, secreção purulenta e edema palpebral. É importante investigar o envolvimento de outros sistemas, como, por exemplo, vesículas na herpes. Uma causa comum de secreção purulenta e pálpebras colapsadas por secreção é a obstrução do conduto nasolacrimal e esta hipótese não pode ser esquecida.

Neisseria gonorrhoeae — sempre deve ser pensada e excluída em todos os casos de conjuntivite neonatal, para evitar suas potenciais complicações na córnea e conjuntiva. Geralmente é mais grave que outras causas da conjuntivite neonatal. A apresentação clássica é conjuntivite purulenta bilateral severa. O envolvimento da córnea pode progredir para perfuração da mesma e endoftalmite. Os pacientes também podem apresentar manifestações sistêmicas, incluindo rinite, estomatite, artrite, meningite, infecção anorretal e septicemia [3].

Chlamydia trachomatis — varia desde hiperemia leve com secreção mucoide em pequena quantidade até edema palpebral, quemose e formação de pseudomembrana. A cegueira é muito rara e, quando se desenvolve, ocorre de forma muito mais lenta e sem envolvimento da córnea (como ocorre na gonocóccica). As cicatrizes palpebrais e o pannus da córnea podem progredir gradualmente para a opacificação central corneal, por mecanismos que lembram o tracoma. A conjuntivite por clamídia também pode estar associada ao envolvimento extraocular, incluindo pneumonite, otite e colonização faríngea e retal [3]. A conjuntivite geralmente é unilateral [1]. A infecção não tratada pode persistir por meses e causar cicatrizes na córnea e conjuntiva [5].

Herpes — edema palpebral uni ou bilateral, conjuntiva com hiperemia e edema moderados e secreção serossanguinolenta não purulenta [2]. A ceratoconjuntivite por herpes simples apresenta-se frequentemente em lactentes com infecções generalizadas por herpes simples, caracterizadas por envolvimento epitelial da córnea com microdendritos ou úlceras geográficas ou vesículas na pele periocular [2,3]. Podem ocorrer complicações sistêmicas graves, como a encefalite.

Outros Agentes — conjuntivite neonatal devido a outros agentes microbianos é geralmente mais leve [3].

 

Diagnóstico

Embora as apresentações clínicas variem de a cordo com a etiologia, é difícil determinar a causa exata da conjuntivite neonatal apenas baseado nas alterações clínicas e na história. Assim, geralmente é necessária realização de exames complementares. Os exames devem ser solicitados e ajustados de acordo com a disponibilidade em cada serviço. Os exames sugeridos são os seguintes [2,3]:

  • Raspagem conjuntival com coloração Gram ou Giemsa para clamídia;
  • Raspagem conjuntival para reação em cadeia da polimerase (PCR) para detectar clamídia e gonococo;
  • Cultura em ágar chocolate e/ou Thayer-Martin para gonococo;
  • Cultura em ágar sangue para outras bactérias;
  • Cultura de células epiteliais da córnea para HSV se a córnea estiver envolvida. A PCR também deve ser considerada em casos de possível conjuntivite por HSV.

 

Tratamento da conjuntivite neonatal

O tratamento antes dos resultados laboratoriais deve incluir pomada tópica de eritromicina e uma cefalosporina de terceira geração intramuscular (IM) ou intravenosa (IV).

O tratamento imediato da conjuntivite gonocócica é importante, uma vez que esse organismo pode evoluir rapidamente para ulceração da córnea. Devido à rápida progressão da conjuntivite gonocócica, os pacientes com conjuntivite neonatal aguda devem ser tratados para conjuntivite gonocócica até que os resultados da cultura estejam disponíveis. O tratamento é alterado posteriormente de acordo com os resultados laboratoriais [3].

Neisseria gonorrhoeae — o tratamento consiste em dose única de ceftriaxona (25 a 50 mg/kg, máximo de 125 mg, IV ou IM). Em neonatos com hiperbilirrubinemia ou que recebem soluções IV contendo cálcio (ex.: nutrição parenteral), é preferível a cefotaxina em dose única (100 mg/kg, IV ou IM). Casos com comprometimento sistêmico, enoftalmia ou sepse devem ser hospitalizados. A antibioticoterapia tópica isolada é inadequada e não é necessária quando o tratamento sistêmico é fornecido. Limpeza ocular frequente com soro fisiológico é recomendada [6]. Lembramos, também, que é importante o acompanhamento e tratamento dos pais.

Chlamydia trachomatis — o Comitê de Doenças Infecciosas da Academia Americana de Pediatria (AAP) e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) recomendam eritromicina oral (50 mg / kg / dia administrada oralmente, dividida em quatro doses) por 14 dias para clamídia, conjuntivite ou pneumonia [5,8]. A terapia tópica para a conjuntivite por clamídia não é eficaz e há uma alta taxa de falha em comparação com a terapia oral na erradicação da infecção conjuntival, além de de não erradicar a infecção nasofaríngea [5]. A eritromicina é eficaz em 80 a 90% dos casos de conjuntivite; assim, todos os casos devem ser acompanhados e, quando não resolvidos, pode ser necessário um segundo ciclo com mesma dosagem e duração [5]. As diretrizes do CDC recomendam como alternativa o uso de azitromicina (dose 20 mg / kg  via oral uma vez ao dia, por três dias) [5,8]. Tanto a eritromicina como a azitromicina estão associadas ao aumento do risco de estenose hipertrófica de piloro, principalmente em menores de duas semanas; sendo assim, os pais devem ser orientados sobre os riscos e os neonatos devem ser acompanhados com atenção [5,8]. Os pais devem ser acompanhados e tratados também.

Herpes simples — casos suspeitos de infecção por herpes simples (HSV) devem ser tratados com aciclovir sistêmico para reduzir o risco de uma infecção sistêmica. A dose eficaz é de 60 mg/kg/dia IV de 8/8 h, durante 14–21 dias. Os recém-nascidos com ceratite também devem receber medicação tópica, mais comumente trifluridina a 1% gotas ou pomada de vidarabina a 3%. O ganciclovir tópico a 0,15% em gel também está disponível, embora nenhum desses agentes tópicos seja especificamente aprovado para uso neonatal [3].

Outros agentes — após resultado da cultura, direcionar para o agente e seu antibiograma.

 

Complicações

portalped - divisor cadeado

Está gostando desse texto?

Cadastre-se gratuitamente no PortalPed para ler o restante da matéria!

 

 

Mostrar mais

Dr. Breno Montenegro Nery

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação pela Universidade Federal de Pernambuco e especialização pela Unicamp.
Botão Voltar ao topo