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Zika – Atualizações que Você Precisa Saber

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Atualize seus conhecimentos sobre o vírus Zika, sua epidemiologia, as manifestações clínicas e os tratamentos no resumo de artigo da semana.

Update on Zika: What You Need to Know. Pediatric Infectious Disease Journal (Março 2017)

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Após incidência aumentada de microcefalia e outras malformações neurológicas em recém-nascidos de mães infectadas com o vírus zika, inicialmente no Brasil e depois espalhando-se pela América, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou essa situação como uma emergência de saúde pública de preocupação internacional. Pouco estudada anteriormente, houve grande aumento nos estudos e conhecimentos sobre esta doença nos últimos anos. Este artigo resume o conhecimento atual, considerando esses novos avanços.

 

EPIDEMIOLOGIA

Identificado inicialmente em 1947 em um macaco Rhesus na floresta Zika de Uganda, o zika vírus era apenas associado com poucos casos esporádicos em seres humanos na África e na Ásia. A partir de 2007, aconteceram surtos fora destas regiões. Em 2015, tivemos um surto de casos de “síndrome da dengue” no Brasil, quando então se confirmou a transmissão autóctone do vírus zika. O surto evoluiu rapidamente, espalhando-se nas Américas. A partir de 2015, 75 países relataram transmissão de zika por mosquitos, dos quais 58 países (das Américas, da África e do Pacífico Ocidental) relataram surtos.

O vírus zika é um vírus RNA (ácido ribonucleico) do gênero Flavivirus e família Flaviviridae. 

 

TRANSMISSÃO DO VÍRUS ZIKA

A transmissão aos seres humanos é realizada principalmente pelo mosquito Aedes aegypti e, com menor frequência, por outras espécies de Aedes. Esse mesmo vetor pode transmitir dengue, chikungunya e o vírus da febre amarela. Apesar de já ter sido isolado de outros mosquitos não Aedes, não há evidência de que a transmissão por esses mosquitos possa ocorrer.

Exitem modos de transmissão menos frequentes como:

  • perinatal
  • intrauterina
  • sexual
  • transfusão de sangue e
  • exposição laboratorial

O vírus zika foi identificado no leite materno, mas a sua transmissão através da amamentação ainda não foi demonstrada. Assim, a recomendação atual é que mães infectadas com zika mantenham a amamentação.

O período de incubação é de 3–14 dias após a picada do mosquito. Os mosquitos podem adquirir o vírus das pessoas infectadas, sintomáticas ou não, durante o período virêmico (alguns dias até 1 semana).

 

DIAGNÓSTICO DE ZIKA

O diagnóstico clínico é limitado, pois os sinais e sintomas são inespecíficos e semelhantes a outras infecções por outros arbovírus (chikungunya e dengue), comuns em áreas endêmicas.

Alguns achados laboratoriais não específicos:

  • trombocitopenia leve
  • leucopenia e elevação dos marcadores inflamatórios
  • desidrogenase lática e transaminases hepáticas podem ser detectadas na fase aguda, em doentes sintomáticos.

O diagnóstico específico é feito por detecção do RNA do vírus zika através de reação da transcriptase reversa, seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR) no soro e/ou urina. Nos primeiros 5–7 dias após o início dos sintomas, pode ser diagnosticado através da realização de RT-PCR no soro. Vale lembrar que o resultado negativo em amostras de sangue coletadas após a primeira semana da doença não exclui a infecção, devido à diminuição ou até ao desaparecimento da viremia após esse período. Na urina, o RNA do vírus zika pode ser detectado por mais tempo, pelo menos 2 semanas após início dos sintomas.

Após a primeira semana de doença, há detecção da imunoglobulina M (IgM) específica e os anticorpos neutralizantes por ensaio imunoenzimático em amostras de soro. As imunoglobulinas G (IgG)  desenvolvem-se poucos dias após a IgM e podem ser detectadas durante meses ou anos. Contudo, são frequentemente observados resultados falso-positivos devido à reação cruzada com outros Flavivirus (por exemplo, vírus da dengue e da febre amarela). Os resultados positivos em infecções primárias por Flavivirus devem ser confirmados com um aumento de 4 vezes no título de anticorpos neutralizantes para o vírus zika com teste de neutralização por redução de placa (PRNT). Em áreas endêmicas, onde grande parte da população pode ter sido previamente infectada por outros Flavivirus ou vacinada, os anticorpos neutralizantes também podem produzir resultados de reação cruzada.

 

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DE ZIKA

A grande maioria das infecções pelo vírus zika, aproximadamente 80%, são assintomáticas. Nos casos sintomáticos, a doença é leve, autolimitada e com duração de poucos dias, caracterizada por…

  • febre baixa
  • rash e edema pruriginoso nas extremidades
  • conjuntivite não purulenta
  • cefaleia e
  • mialgia.

As manifestações são semelhantes tanto em adultos quanto em crianças. Manifestações menos comuns incluem sintomas gastrointestinais, dor retro-orbitária e linfadenopatia.

Zika virus - sintomas
Adaptado de Centers for Disease Control and Prevention

A OMS, como forma de normatizar globalmente a classificação e notificação, definiu os casos suspeitos de zika como paciente com erupção cutânea e/ou febre com pelo menos um dos seguintes sinais e sintomas: artralgia, artrite ou conjuntivite não purulenta. Um caso confirmado é um caso suspeito com identificação laboratorial de infecção recente por zika (presença de RNA ou antígenos do vírus zika no soro ou outras amostras [por exemplo, saliva, tecidos, urina, sangue total] ou anticorpo IgM contra zika positivo e PRNT90 para zika com títulos ≥20 e proporção do títulos para zika PRNT90 ≥4 em comparação com outros Flavivirus; e exclusão de outros Flavivirus).

Mais informações, vide Post anterior: Zika Vírus – Quando Suspeitar?

 

COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS

As complicações neurológicas, como síndrome de Guillain-Barré, meningite, encefalomielite aguda disseminada (ADEM) e mielite, foram relatadas em pacientes com zika, principalmente em adultos.

 

SÍNDROME CONGÊNITA

Uma ampla gama de malformações congênitas foram descritas, caracterizadas principalmente por alterações do sistema nervoso central e sintomas associados: microcefalia, espasticidade, convulsões, irritabilidade acentuada e disfunção do tronco cerebral, incluindo dificuldades de alimentação. Alterações dos exames de neuroimagem sugerem que a infecção intrauterina por zika está associada a anomalias cerebrais graves, tais como: calcificações cerebrais, hidrocefalia, lisencefalia com agenesia do corpo caloso, paquigiria, displasia cerebelar e anormalidades da substância branca. Quanto mais precoce a infecção na gestação, mais graves são as sequelas neurológicas. Outras alterações como: artrogripose, perda auditiva neurossensorial, microftalmia, alterações de mácula na fundoscopia e anormalidades do nervo óptico também foram descritas em crianças com suspeita de síndrome zika congênita. Casos de morte fetal e neonatal com confirmação laboratorial de infecção por zika também foram relatados.

Parte significativa dos recém-nascidos afetados têm manifestações subclínicas ao nascer, dificultando o diagnóstico, pelo menos até fases posteriores da infância ou adolescência, quando as limitações cognitivas, de desenvolvimento e/ou visuais podem ser detectadas.

A infecção por zika nos lugares endêmicos, onde o vírus está circulando há anos, quando ocorre em mulheres na idade fértil, já encontra imunidade pois provavelmente elas já entraram em contato com o vírus anteriormente. Desta forma, é pouco provável a ocorrência de consequências, diferentemente das mulheres que nunca foram infectadas, como ocorreu no surto do Brasil. Outros fatores que também podem estar relacionados aos quadros mais severos observados no Brasil são mutações nas características de virulência do vírus circulante e interações imunes entre infecções consecutivas por Flavivirus.

 

TRATAMENTO E PREVENÇÃO DE ZIKA

O tratamento é baseado em cuidados de suporte e sintomáticos, incluindo repouso, fluidos e medicações como o acetaminofeno para aliviar a febre e anti-histamínicos para tratamento do prurido. A aspirina e outros anti-inflamatórios não esteroides devem ser evitados para reduzir o risco de complicações hemorrágicas. Um estudo recente mostrou que a cloroquina exibiu atividade antiviral contra o zika, mas ainda sem embasamento para sua utilização na prática diária.

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Não existe vacina disponível atualmente para prevenção da doença, mas várias vacinas estão em estudo, com resultados preliminares promissores. A prevenção e o controle atualmente dependem de estratégias pessoais para evitar picadas do mosquito transmissor e programas comunitários para reduzir a população dos vetores nas áreas endêmicas. Uma das medidas pessoais inclui o uso de repelente de insetos. Vide nosso post anterior sobre repelentes aqui.

 

ZIKA — PESQUISA E DESAFIOS FUTUROS

Ainda existem inúmeras questões não respondidas sobre o zika que necessitam de pesquisa. As áreas de investigação futura incluem: melhor compreensão dos resultados fetais da infecção por zika; determinação de potenciais fatores de risco para transmissão vertical (carga viral, coinfecções, tempo, virulência da cepa circulante); desenvolvimento de testes diagnósticos mais específicos; compreensão de outras formas de transmissão; e a patogênese das complicações neurológicas e autoimunes após infecções por zika.

Novos métodos para o controle dos vetores e o desenvolvimento de fármacos e vacinas antivirais específicos serão de extrema importância para controlar a doença e diminuir a carga da infecção por zika.

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Dr. Breno Montenegro Nery

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação pela Universidade Federal de Pernambuco e especialização pela Unicamp.

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