Ética Médica

Exposição Médica em Mídias Sociais: como evitar e se proteger de ataques virtuais

Médicos - dadas as peculiaridades da profissão - são particularmente suscetíveis a campanhas de difamação nas redes sociais. Saiba como evitá-las e se proteger legalmente.

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Mídias sociais como o Facebook, Instagram, Twitter e LinkedIn sacramentaram uma nova forma de comunicação entre as pessoas, tornando-se importantes ferramentas para conectá-las ao redor de todo o mundo, elevando o termo “globalização” a patamares nunca antes experimentados. Apesar dos muitos aspectos positivos provenientes disso, há sempre circunstâncias danosas que acompanham essa facilidade de exposição individual e as repercussões que elas podem tomar.

 

Tipos de ataques virtuais

Ao pesquisar sobre exposição médica em mídias sociais nos sites de busca, muito se encontra sobre a ética médica em relação à exposição de pacientes e na publicidade em redes sociais.

Duas resoluções do CFM —nº 1.974/11 [1] e nº 2.126/15 [2]— estabelecem “os critérios norteadores da propaganda em Medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria”. Resumidamente, estabelecem normas do que pode e o que não pode ser feito em termos de publicidade nas mídias sociais, desde a exposição de pacientes em situações de “antes e depois” e uso de termos superlativos para a autopromoção, até a proibição de selfies em ambientes de trabalho. Obviamente, essas normas têm o objetivo de minimizar a exposição médica e as repercussões negativas que podem acarretar, demarcando limites éticos para essa questão.

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Confira a seguir as duas Resoluções do CFM sobre exposição médica em mídias sociais:

 

Muito comum também é o retorno de informações sobre como se proteger dos temidos ataques cibernéticos nos tempos atuais, como os vírus para computador, as fraudes (quando alguém assume sua identidade nas redes sociais) e a prática de phishing (quando criminosos usam-se de má fé, passando-se por pessoas ou organizações de confiança, para obter informações pessoais, tais quais logins e senhas de bancos e números de cartões de crédito).

No entanto, estamos expostos a muitos outros tipos de violências virtuais que não esses “cyber crimes”. A democratização da internet e o uso maciço de redes sociais, ao mesmo tempo que facilitaram a comunicação entre as pessoas, permitiram também uma viralização de discursos agressivos e difamatórios, por vezes até criminosos. O assédio virtual —aqui usado no sentido de perseguição ou impertinência—, talvez facilitado pela distância física e possível anonimato entre quem o pratica e seu alvo, é, por sua vez, algo a que todos estamos expostos.

 

O assédio moral em mídias sociais

Na infância e especialmente na adolescência, esse assédio moral (ou eventualmente até mesmo físico) ganhou notoriedade no final da década 90 e início dos anos 2000 através da popularização da ideia do bullying (e, mais tarde, com o avanço tecnológico, do termo cyberbullying). Não há um bom termo em português para traduzir a palavra bullying, mas seu sentido e seu uso já integram nossa cultura.

Não é, como bem sabemos, que essa prática violenta tenha surgido apenas nessa época, mas foi somente através do aumento das evidências de como ela pode afetar seriamente a saúde da vítima que ela tomou mais notoriedade. Ainda hoje o tema é alvo de muito preconceito e opiniões polarizadas. Há pessoas que defendem que trata-se apenas de um ressentimento desproporcional a algo insignificante, mas a verdade é que, mundialmente, consequências graves, como homicídio e suicídio, estão relacionadas a ele. [3]

Sendo médicos e lidando com emoções tão delicadas e díspares dos nossos pacientes, estamos particularmente expostos.

Na vida adulta, apesar de não estarmos livres desse tipo de assédio, seus efeitos são, em geral, menos deletérios à vítima, possivelmente pelo amadurecimento psicológico após as intensas mudanças pelas quais passamos na adolescência. Os ataques, porém, são frequentes, e mais intensos quanto mais pública é a pessoa. Sendo médicos e lidando com emoções tão delicadas e díspares dos nossos pacientes, estamos particularmente expostos a isso. Ao mesmo tempo em que podemos ser enaltecidos, podemos também ser difamados.

A recente experiência de um amigo, caluniado por meio de comentários em uma rede social sobre sua conduta médica, me fez pensar nesse tema. Por mais capaz que o médico seja profissionalmente, por mais que se atualize e que busque estabelecer uma boa relação médico-paciente, ainda assim ele está exposto a isso.

O BRASIL ESTÁ NA INTERNET

Somente no Brasil, somos quase 127 milhões de usuários regulares de internet, número que está em constante crescimento. [4] Sessenta e dois por cento da população brasileira está ativa nas redes sociais. [5]

Na era da informação globalizada, não é de se espantar que, em todas as áreas, busquem-se informações na internet sobre o que se pretende contratar. Qualquer gerente que pretenda empregar alguém fará uma busca no Google do nome do candidato. De acordo com o questionário CareerBuilder de 2017, 70% dos empregadores procuram informações dos candidatos em contas em redes sociais antes de trazê-los para uma entrevista, e 50% deles consideram problemático o fato de candidatos não possuírem registro nessas mídias. [6]

Na era da informação globalizada, não é de se espantar que, em todas as áreas, busquem-se informações na internet sobre o que se pretende contratar.

Apesar de parecer exagerado, nos dias de hoje fazemos de forma rotineira exatamente a mesma coisa para tudo o que pretendemos comprar ou contratar. Buscamos informações sobre a reputação de um produto ou de um profissional na tentativa de optar pela melhor escolha, e a internet está repleta de informações sobre todos. Não é difícil traçar um paralelo de que um paciente em busca de um médico ou serviço de saúde faça o mesmo.

Outro dado crescente ao redor do mundo é em relação ao número de sites de classificação de médicos e hospitais —exemplo do Doctoralia, no Brasil. Apesar de ter mostrado pouca procura desses sites pelos usuários, um trabalho norte-americano de 2015 mostrou que 27% dos entrevistados disseram que uma avaliação negativa de um profissional ou serviço de saúde nesses sites os levaria a não procurá-los, de maneira que o ataque à reputação profissional em redes sociais pode resultar em sérias consequências negativas. [7]

Infelizmente, não há uma fórmula para evitar que isso aconteça. É mais do que provado que o fato de buscarmos constantes atualizações diminui o risco de sofrermos, por exemplo, processos legais. Empenharmo-nos em garantir um bom atendimento e conquistarmos uma boa relação médico-paciente também é, sem dúvida, uma boa forma de nos precavermos desse tipo de prática. Seguir as orientações do CFM em relação à exposição de pacientes e publicidade em mídias sociais também reduz esses riscos. No entanto, nos casos em que, apesar dos nossos esforços, tal relação se deteriora e a difamação ocorre, podemos e devemos nos proteger legalmente.

 

Proteção legal contra abusos

Os médicos brasileiros ainda são passivos em relação a esses ataques, buscando compensação legal na minoria dos casos.

Na busca de informações sobre o assunto na internet, encontramos advogados e firmas advocatícias especializados em proteção legal médica. Há a informação de que nós, médicos brasileiros, ainda somos passivos em relação a esses ataques, buscando compensação legal na minoria dos casos, talvez pela famigerada lentidão da justiça brasileira em suas resoluções. A legislação brasileira prevê o pagamento de indenização no caso de dano moral, material e/ou à imagem em situações de conduta abusiva por parte do paciente.

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A recomendação, no caso de divulgação de materiais (textos, áudios, vídeos ou imagens) nas redes socais é, de maneira geral, de reunir a maior quantidade possível desses materiais, salvando-os através de prints, imprimindo-os, fotografando-os ou gravando-os, e procurar um profissional (advogado) o mais rápido possível para orientações. Caso seja possível, disponibilizar cópias do prontuário ou testemunhas do atendimento que gerou a queixa do paciente.

Certamente, quanto mais amigável é a resolução do problema (com a retirada das denúncias e a retratação, por parte do autor da difamação, do profissional nas mesmas mídias sociais), mais rápida é a sua resolução, mas essa decisão cabe apenas ao médico que sofreu o abuso e seu advogado.

Contudo, tentar evitar o problema ainda é a melhor solução para prevenir-se desse desgaste.

 

 

REFERÊNCIAS

  1. CAVALCANTI EFS. Resolução CFM nº 1.974/2011 de 19 de agosto de 2011. Disponível em <https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2011/1974>
  2. CAVALCANTI EFS. Resolução CFM nº 2.126/2015 de 1º de outubro de 2015. Disponível em <https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2015/2126>
  3. PIGOZI PL, MACHADO AL. Bullying na adolescência: visão panorâmica no Brasil. Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.11 Rio de Janeiro Nov. 2015
  4. LAVADO T. Uso da internet no Brasil cresce, e 70% da população está conectada in G1 – Economia – Tecnologia em 28 de agosto de 2019. Dispível em < https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2019/08/28/uso-da-internet-no-brasil-cresce-e-70percent-da-populacao-esta-conectada.ghtml >. Acesso em 16 de outubro de 2019
  5. DINO. 62% da População Brasileira está Ativa nas Redes Sociais in Exame. Publicado em 19 de outubro de 2018. Disponível em <https://exame.abril.com.br/negocios/dino/62-da-populacao-brasileira-esta-ativa-nas-redes-sociais/>. Acesso em 16 de outubro de 2019
  6. SALM L. 70% of employers are snooping candidates’ social media profiles in CareerBuilder de 15 de junho de 2017. Disponível em <https://www.careerbuilder.com/advice/social-media-survey-2017>. Acesso em 16 de outubro de 2019] [https://www.careerbuilder.com/advice/social-media-survey-2017
  7. BURKLE CM, KEEGAN MT. Popularity of internet physician rating sites and their apparent influence on patients’ choices of physicians. BMC Health Serv Res. 2015;15:416. Publicado em em 26 de setembro de 2015. doi: 10.1186/s12913-015-1099-2
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Antonio Junior

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp.
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