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Atestado de Afastamento para Acompanhante — o que Diz a Lei?

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Podemos emitir um atestado de dispensa para o cuidador de uma criança doente? É uma atitude legal — ou mesmo ética? Saiba o que a Lei e o Código de Ética Médica dizem sobre o assunto.

Sendo pediatras, é frequente nos depararmos com a situação em que uma criança necessita de afastamento de suas atividades por motivos de doença, seja para não contaminar outras pessoas, seja para sua adequada recuperação. Nesse contexto, é também frequente nos deparamos com pedidos para estendermos esse atestado de afastamento para seu acompanhante.

Essa questão tem tudo a ver com as mudanças na sociedade e no mercado de trabalho. Apesar das mulheres sempre terem tido papel no trabalho familiar — como, por exemplo, na agricultura —, foi a partir das revoluções industriais, com sua necessidade como de mão de obra para as fábricas, que se iniciou um problema ainda bastante atual: o cuidado dos filhos versus a necessidade de remuneração. Isso torna-se ainda mais premente nos casos de enfermidades. Mesmo hoje, após décadas de evoluções nas leis trabalhistas, nem sempre é fácil atingir um equilíbrio entre o cuidado com a criança doente e a manutenção de um trabalho longe de casa.

 

Em vista disso, abordaremos hoje uma questão bastante conflituosa: é legal fornecermos um atestado afastando o acompanhante de suas atividades laborais para o cuidado da criança?

 

A FINALIDADE DOS ATESTADOS DE AFASTAMENTO

crianca no hospital

Entende-se por atestado (ou certificado) o documento que tem por objetivo firmar a veracidade de um fato ou a existência de determinado estado, ocorrência ou obrigação. É um instrumento destinado a reproduzir, com idoneidade, uma específica manifestação do pensamento médico. [1]

Juridicamente, os atestados médicos são considerados instrumentos de fé pública — ou seja, são verdadeiros até que se prove o contrário. Carecem de regulação ou verificação de credibilidade por qualquer órgão público, sendo que pressupõe-se sempre, a priori, que as informações contidas nele são verídicas. Somente aos médicos e odontólogos é facultada a prerrogativa do fornecimento de atestados de afastamento de trabalho. [2]

O Dr. Genival Veloso de França o resume da seguinte forma:

“O atestado ou certificado médico, portanto, é uma declaração por escrito de uma dedução médica e de suas possíveis consequências. Tem a finalidade de resumir, de forma objetiva e singela, o que resultou do exame feito em um paciente, sua doença ou sua sanidade, e as consequências mais imediatas. É, assim, um documento particular, elaborado sem compromisso prévio e independente de compromisso legal, fornecido por qualquer médico que esteja no exercício regular de sua profissão. Desta forma, tem unicamente o propósito de sugerir um estado de sanidade ou de doença, anterior ou atual, para fins de licença, dispensa ou justificativa de faltas ao serviço, entre outros.” [1]

Não restam dúvidas de que o atestado é um direito do paciente e seu fornecimento um dever do médico que o atende, com a finalidade de resumir o atendimento médico. O boletim da Sociedade de Pediatria de São Paulo, “Pediatra Informe-se”, de março/abril de 2014, traz uma matéria que trata sobre o assunto, e salienta:

Posto isso, fica claro que um atestado médico não se destina a atos administrativos ou assuntos que não se relacionam diretamente com o paciente atendido, como, por exemplo, seu acompanhante. Não é incomum a solicitação de um ‘atestado médico’ em nome do acompanhante para justificar sua ausência ao trabalho, um exemplo típico de ato com fins administrativos que nada tem a ver com o atendimento ao paciente e que, portanto, não é da competência do médico. Se a empresa em que o acompanhante trabalha exige um atestado da presença de seu empregado no serviço de saúde, tal documento pode ser fornecido por qualquer funcionário da instituição que testemunhou o fato, sendo a participação obrigatória do médico descabida.” [3]

 

QUESTÕES LEGAIS

“Não há respaldo legal previsto na CLT para que o médico afaste um dos pais ou responsável de seu trabalho (para cuidar de uma criança em repouso domiciliar)”

Ao artigo 473 da Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT), por meio da lei nº 13.257 de 08 de março de 2016, foi acrescido o direito de falta do trabalhador por um dia por ano para acompanhar filho de até seis anos em consulta médica. [4] Para aqueles com mais de seis anos (e para as demais consultas em geral necessárias para o acompanhamento e cuidado dessas crianças e adolescentes ao longo do ano) não há, até o momento, regulamentação legal.

Problema maior e ainda mais frequente encontramos nos casos em que a criança ou adolescente precisa ser afastado de suas atividades escolares e permanecer em repouso domiciliar. Como dito, não há respaldo legal previsto na CLT para que o médico afaste um dos pais ou responsável de seu trabalho para que eles exerçam os cuidados desse paciente.

mae e filho no hospitalOutra situação bastante frequente é a dos casos de internação, quando o paciente necessita de um período (às vezes prolongado) de permanência dentro de um hospital. Aqui, recaímos ainda sobre outro problema: é pouco provável que alguém da instituição tenha testemunhado a presença contínua do acompanhante no hospital, de forma a atestar que tal genitor ou cuidador permaneceu acompanhando o menor durante todo esse período. Sendo assim, o conselho dado pelos juristas é o de elaborar um atestado médico em nome do paciente pelo período preconizado de afastamento ou da internação. Munidos desse atestado no nome da criança, os pais ou cuidadores deverão negociar seu afastamento diretamente com o empregador [3].

No caso de necessidade de internação, é oportuno enaltecer o direito da criança ou do adolescente de usufruir o que diz o Artigo 12 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA: “Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente”. [3]

 

 

COMO FICAM OS ACOMPANHANTES?

Em todos esses casos, no entanto, o fornecimento de um atestado afastando o acompanhante de suas atividades laborais não só é indevido como também é ilegal. Ainda mais grave seria fornecer um atestado médico em nome do responsável inventando uma doença e afastando-o por esse motivo. Tal ato é um completo disparate, contrário às leis e aos ditames do Código de Ética Médica.

No Código de Ética Médica, há artigos que vedam ao médico:

  • fornecer atestado sem ter praticado o ato profissional que o justifique, ou que não corresponda à verdade (Art. 110);
  • utilizar-se do ato de atestar como forma de angariar clientela (Art. 111);
  • deixar de atestar quando solicitado pelo paciente ou responsável, pois atestar é parte integrante do ato médico, é um direito inquestionável do paciente e não importa em majoração de honorários (Art. 112);
  • e utilizar-se de formulários de instituições públicas para atestar fatos verificados em clínicas privadas (Art. 113).

No Código Penal, em seu Art. 302, há previsão de pena de detenção de um mês a um ano pela emissão de atestado falso. “Deve o médico, portanto, tomar muito cuidado com a emissão dos seguintes tipos de atestados: assinados em branco, para aptidão de exercícios físicos, para visitar familiares, para fins de interdição, com indicação de CID, de acompanhamento e com data retroativa”, relembra o Dr. Antonio Carlos Bilo. [2]

 

 

VAI SER SEMPRE ASSIM?

Há de se observar que, dentro do tema discutido hoje, o Senado Federal aprovou em 2015 o Projeto de Lei do Senado (PLS) 286/14, que pretende criar um novo tipo de benefício da Previdência Social, o chamado “auxílio doença parental“, o qual concede ao segurado a ajuda em caso de doença do cônjuge, filhos, pais, padrasto, madrasta, enteado ou dependente que viva a suas expensas e conste da sua declaração de rendimentos. O auxílio se dará mediante comprovação por perícia médica, até o limite máximo de doze meses. [5] Na Câmara, o projeto tramita como PL 1876/2015.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. França, GV. Atestado médico: conceito, finalidade e seus limites. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2016/02/05/atestado-medico-conceito-finalidade-e-seus-limites/. Acesso em 03 de outubro de 2017
  2. Bilo, AC. Atestado médico. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&id=20568. Acesso em 03 de outubro de 2017
  3. Atestados e relatórios médicos. Pediatra Informe-se. Sociedade de Pediatria de São Paulo, março/abril 2014, pg. 3
  4. Poder Executivo – Lei nº 13.257 de 08.03.2016. Disponível em: http://www.normaslegais.com.br/legislacao/Lei-13257-2015.htm. Acesso em 04 de outubro de 2017
  5. Auxílio-doença para cuidar de parentes próximos aguarda decisão do Congresso. Disponível em:   http://www.controversia.com.br/blog/2016/04/10/auxilio-doenca-para-cuidar-de-parentes-proximos-aguarda-decisao-do-congresso/. Acesso em 03 de outubro de 2017
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Antonio Junior

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp.

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