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Aminoglicosídeos: uma, duas ou três vezes ao dia?

Indicações terapêuticas do uso dos aminoglicosídeos, medicamentos antibióticos eficientes porém com alta nefrotoxicidade.

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Se existe uma verdade absoluta em Medicina, é que medicamentos apresentam efeitos colaterais. Quase 100% das vezes em que abrimos a bula, lá encontramos, depois do efeito desejado das drogas, uma lista (algumas com poucas linhas, outras com mais de uma página) de efeitos adversos das medicações. Todos sabemos que alguns desses efeitos adversos são até mesmo desejáveis, fazendo com que muitos dos medicamentos que a princípio foram estudados por uma certa ação passem a ser comercializados pela ação do que se considerou, em sua fase de estudos, como adversa. No entanto, na grande maioria dos casos, esses efeitos são completamente inconvenientes.

No caso dos aminoglicosídeos, um dos efeitos mais indesejáveis é sua nefrotoxicidade. Obviamente, a lista de reações adversas não se limita aos efeitos renais, mas em geral são eles os mais preocupantes. E é sobre este assunto que conversaremos a seguir.

 

Aminoglicosídeos

O grupo inclui drogas como a gentamicina, a tobramicina, a neomicina, a estreptomicina e a amicacina (entre outras), usadas primariamente no tratamento de infecções causadas por bactérias Gram-negativas. A estreptomicina é usada nos casos de falência de tratamento com os esquemas tradicionais (I e IR) contra a tuberculose. Ao contrário da maioria dos inibidores da síntese proteica de micróbios, que são bacteriostáticos, os aminoglicosídeos são inibidores bactericidas da síntese de proteínas.

As propriedades farmacológicas são compartilhadas por todos os agentes do grupo. Por exemplo…

  • nenhum é bem absorvido por via oral,
  • concentrações ruins são encontradas no líquido cefalorraquidiano e
  • todos são excretados rapidamente pelos rins.

Embora os aminoglicosídeos sejam amplamente usados, toxicidades potenciais importantes limitam seu uso. Todos os componentes do grupo compartilham o mesmo espectro de toxicidade, mais notavelmente nefro e ototoxicidade, que podem envolver funções auditivas e vestibulares do VIII par de nervos cranianos. [1]

 

Veja também

 

Estratégias de Tratamento

Em adultos e crianças, a forma tradicional de se administrar aminoglicosídeos se dá calculando a dose diária baseada no peso e dividindo-a em duas a três doses diárias (naqueles com função renal normal). Nos pacientes com função renal alterada, a dose é reduzida e/ou seu intervalo é aumentado, ou então indica-se a dosagem do nível sérico para monitorização de sua concentração.

A estratégia de alta dose com intervalo prolongado utiliza uma maior dose, baseada no peso, administrada em intervalos de 24 horas (isso em pacientes com função renal normal; esses intervalos são ainda maiores nos pacientes com disfunções renais ou em neonatos com peso <2.000 g). [2]

Doses menores administradas em intervalos prolongados (em regimes de doses a cada 24 horas, por exemplo), usadas em pacientes com disfunção renal, não devem ser confundidas com a terapia de alta dose com intervalo prolongado.

As seguintes informações se baseiam no protocolo institucional elaborado pela Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA), uma das mais conceituadas do mundo. [3] O documento traz doses padronizadas para adultos, idênticas às que utilizamos para a maior parte da faixa etária pediátrica. Doses e intervalos diferentes podem ser necessárias para o período neonatal, que possui literatura específica. Dessa forma, neste post, não me aterei às doses utilizadas, mas sim aos conceitos dos diferentes métodos.

 

Infecções por Gram-negativos

 

Terapia de Alta Dose com Intervalo Prolongado

Base Lógica

A atividade bactericida dos aminoglicosídeos é concentração-dependente. Quanto mais elevada a razão “pico/MIC”, maiores a taxa e a extensão de morte bacteriana. O objetivo farmacodinâmico é maximizar a concentração da droga no sítio de infecção. A atividade bactericida ótima para os aminoglicosídeos é alcançada quando a concentração é aproximadamente 8 a 10 vezes a MIC.

Aminoglicosídeos possuem efeito pós-antibióticos (EPA). A variação relatada de EPA varia de 30 minutos a 8 horas. Fatores que influenciam a EPA incluem: o valor de pico da dose precedente de aminoglicosídeo, in vivo > in vitro, diminuída pela neutropenia e aumentada na presença de β-lactâmicos.

A captação de aminoglicosídeos pelas células tubulares renais e ouvido interno é saturável. Isso sugere que altos picos não resultam em maior risco de toxicidade. Uma dose única de aminoglicosídeos resulta em concentração significativamente menor da droga no tecido cortical renal comparada com a mesma dose total administrada em infusão contínua ou em doses divididas. Dados sugerem que o modelo de administração três vezes ao dia está associado com nefrotoxicidade que ocorre mais rapidamente, com maior intensidade e de duração mais longa, quando comparado com o modelo de uma vez ao dia. Dados e experiências clínicas sugerem também que a terapia de alta dose com intervalo prolongado pode ser menos nefrotóxica quando comparada com regimes tradicionais.

Resistência adaptativa de bacilos Gram-negativos a aminoglicosídeos: também conhecida como efeito da primeira exposição, refere-se à down-regulation da captação de aminoglicosídeos pela células bacterianas, seguida da exposição inicial do organismo à droga, tornando portanto o micro-organismo refratário à ação bactericida das doses subsequentes. Um longo intervalo entre as doses pode ser obtido com um regime de administração uma vez ao dia, o que permite um período mais longo livre da medicação, durante o qual as bactérias não ficam expostas aos aminoglicosídeos – os quais preservam, dessa forma, sua atividade bactericida.

Diminui a emergência de subpopulações resistentes. A multiplicação de bactérias seguindo uma dose de aminoglicosídeo foi prevenida por regimes em que o pico de concentração da droga foi pelo menos 8 vezes maior que a MIC.

 

Critérios de Exclusão

    • Insuficiência renal (clearance de creatinina <30 mL/min ou declínio de função renal rapidamente progressivo)
    • Gravidez
    • Sinergia para infecções por Gram-positivos
    • Ascite
    • Queimados (>20% da superfície corporal)

 

Terapia Tradicional/Convencional

Compreende doses reduzidas e administração mais frequente do aminoglicosídeo, usando parâmetros farmacocinéticos para determinar a dose e a frequência para atingir os valores-alvos de pico e de vale.

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Antonio Junior

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp.
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