Alergias oculares e conjuntivites alérgicas: diagnóstico e tratamento
Olho vermelho "pega"? Analisamos as alergias oculares, suas principais causas, classificações e tratamentos.

Em primeiro lugar, é importante saber que olho vermelho pode ser provocado por qualquer inflamação. Seja ela da conjuntiva, córnea, esclera, íris, corpo ciliar, câmara anterior, pálpebras e da órbita.
Nosso foco será nas conjuntivites, especialmente as alérgicas (Figura 1).
A conjuntiva é uma membrana mucosa, fina e transparente que recobre a parte branca do olho (esclera) e também as pálpebras, internamente. Sua função é proteger a superfície ocular de agentes externos e manter a lubrificação ocular, uma vez que o muco produzido pela conjuntiva ajuda a evitar o ressecamento do olho. A conjuntivite é uma inflamação da conjuntiva, caracterizada por hiperemia, infiltração e exsudação celular ou proteinácea. Os tipos mais frequentes são as virais, bacterianas e alérgicas.
Alergia ocular afeta aproximadamente 20% da população e a incidência aumentou nos últimos anos. Normalmente, é associada a outras doenças alérgicas, especialmente à rinite, presente em 50 a 75% dos casos com comprometimento ocular — nesses casos, recebem, juntas, o nome de rinoconjuntivite. Esta é uma doença principalmente de jovens, com início antes dos 20 anos, mas é possível desenvolver conjuntivite alérgica já na fase adulta. Os sintomas tendem a diminuir com o passar dos anos, mas até mesmo idosos podem ter sintomas importantes. Segundo o estudo ISAAC (Estudo Internacional da Asma e Alergias na Infância), a alergia ocular afeta 1,4 a 39,7% das crianças e adolescentes1,2.
Fisiopatologia das alergias oculares

A fisiopatologia da alergia ocular está associada à resposta inflamatória gerada pelos mecanismos de hipersensibilidade do tipo I e IV, característica das ações da ativação do subtipo dos linfócitos Th2, mastócitos e eosinófilos. Alguns trabalhos demonstram ativação, também, de subtipos linfocitários Th13.
A resposta imediata aos alérgenos é predominantemente mediada por mastócitos, presentes em altas concentrações no epitélio da conjuntiva, e em maior número nos pacientes alérgicos. A histamina é o principal mediador da resposta imediata e causa vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular e prurido. A resposta tardia da reação alérgica começa com influxo de outras células inflamatórias, que são atraídas por citocinas liberadas pelos mastócitos da fase imediata. Eosinófilos, basófilos e neutrófilos aparecem de 6 a 10 horas após a exposição, seguidos pelos linfócitos e monócitos, que perpetuam a inflamação.
Classificação das alergias oculares 4
IgE mediadas x não IgE mediadas
A International Ocular Inflammation Society propôs a classificação das alergias oculares baseada no mecanismo imunológico envolvido, dividindo-as em três grupos:
- IgE mediada: conjuntivite alérgica sazonal (CAS) e conjuntivite alérgica perene (CAP)
- IgE e não IgE mediadas: ceratoconjuntivite vernal (CCV) e ceratoconjuntivite atópica (CCA)
- Não IgE mediada: blefaroconjuntivite de contato (BCC), conjuntivite papilar gigante (CPG)
Persistência dos sintomas (ARIA)
- Intermitente: significa que os sintomas (prurido e hiperemia) estão presentes:
- Menos de 4 dias na semana
- Ou por menos de 4 semanas
- Persistente: significa que os sintomas (prurido e hiperemia) estão presentes:
- Mais de 4 dias na semanas
- E mais de 4 semanas
Gravidade dos sintomas (ARIA)
- Leve: significa que nenhum dos seguintes itens está presente:
- Alteração da visão
- Comprometimento das atividades diárias, lazer e/ou esportes
- Comprometimento do rendimento escolar ou trabalho
- Sintomas incômodos
- Moderado: significa que um dos seguintes itens está presente:
- Alteração da visão
- Comprometimento das atividades diárias, lazer e/ou esportes
- Comprometimento do rendimento escolar ou trabalho
- Sintomas incômodos
- Grave: significa que dois ou mais dos seguintes itens estão presentes:
- Alteração da visão
- Comprometimento das atividades diárias, lazer e/ou esportes
- Comprometimento do rendimento escolar ou trabalho
- Sintomas incômodos
As formas leves são responsáveis por cerca de 98% dos casos de alergia ocular e caracterizam-se por duas síndromes: a conjuntivite alérgica perene e a conjuntivite alérgica sazonal.
A forma perene está associada a alérgenos ambientais como ácaros, baratas, epitélios de animais e fungos. A forma sazonal ocorre predominantemente no sudoeste do Brasil, de agosto a dezembro, e relaciona-se à exposição e sensibilização a aeroalérgenos vegetais, em especial a pólens de gramíneas.
As formas crônicas e graves, embora mais raras, podem ser devastadoras. São divididas em dois grupos: ceratoconjuntivite vernal e ceratoconjuntivite atópica.
Tipos de conjuntivite alérgica

Conjuntivite alérgica aguda: reação de hipersensibilidade com início repentino, causado por exposição ambiental, normalmente a algum alérgeno conhecido, como pelos de gato. Ao fim da exposição ao alérgeno, normalmente os sintomas melhoram espontaneamente dentro de 24 horas.
Conjuntivite alérgica sazonal: é frequentemente associada com rinite (rinoconjuntivite) e, normalmente, desencadeada por pólens. Tem início menos repentino, com piora ao longo dos dias ou semanas, e tem duração previsível, que corresponde à estação da polinização.
Conjuntivite alérgica perene: tem padrão de melhora e piora frequente, é relacionada à exposição ambiental, normalmente aos alérgenos de interiores, como ácaros, pelos de animais e mofo.
Diagnóstico das alergias oculares
O diagnóstico é clínico e depende de uma detalhada anamnese, associando sinais e sintomas sugestivos.
Para identificar os alérgenos responsáveis, é interessante que haja acompanhamento conjunto com um alergista.
Sinais e sintomas sugestivos de alergia ocular
- História pessoal ou familiar de atopia;
- Sintomas sazonais ou recorrentes;
- Acometimento bilateral (pode ser pior em um dos olhos);
- Prurido;
- Lacrimejamento;
- Hiperemia de conjuntiva;
- Fotofobia leve;
- Nódulos de Horner-Trantas — pequenos pontos brancos;
- Eczema em pálpebras.
Sinais e sintomas NÃO sugestivos de alergia ocular
- Acometimento unilateral;
- Sensação de corpo estranho;
- Dor;
- Secreção purulenta;
- Inflamação palpebral (blefarite);
- Início tardio.
Diagnóstico diferencial das conjuntivites alérgicas
O diagnóstico diferencial inclui infecções, blefarites, olho seco, além de outras alergias oculares mais graves. Em alguns casos, as doenças podem coexistir.
Formas mais severas de alergia ocular
-
Figura 3. Papilas hipertróficas gigantes 7 Ceratoconjuntivite vernal: ocorre na primeira e segunda décadas de vida, sendo predominante em meninos (3:1) e geralmente desaparece na fase adulta. Pode estar associada ou não à atopia. Os principais sintomas são prurido intenso, fotofobia, secreção mucosa, hiperemia conjuntival e dor associada a lesões corneanas. Nódulos de Horner-Trantas (Figura 2) são comuns nesse tipo de doença.
- Conjuntivite papilar gigante (Figura 3): é causada pelo trauma contínuo entre conjuntiva e lente de contato, levando a processo inflamatório mediado por células do sistema imune inato e formação de papilas gigantes em tarso superior. Provoca prurido e sensação de corpo estranho no olho afetado.
- Ceratoconjuntivite atópica: acomete pálpebras, conjuntiva e córnea. Mais comum em adultos entre 30 e 50 anos com dermatite atópica desde a infância. Casos avançados cursam desde ulcerações corneanas (Figura 4) até catarata. Os principais sintomas incluem prurido intenso, fotofobia, sensação de queimação e corpo estranho.
Infecções
- Virais: hiperemia de conjuntivas, edema palpebral discreto, secreção ocular hialina. Sem prurido importante, normalmente unilateral (pode evoluir para bilateral). Facilmente confundida com conjuntivite alérgica.
- Bacterianas: secreção purulenta, edema palpebral importante. Dificilmente confundida com conjuntivite alérgica.
Olho seco
Atinge principalmente a córnea. Pode ser uma complicação da conjuntivite pela diminuição na função das células caliciformes e consequente alteração na superfície ocular.
Outras alterações
Blefarite, conjuntivite tóxica, rosácea ocular, ceratite, glaucoma de ângulo fechado, episclerite/esclerite.
Complicações associadas
Ceratocone e olho seco são complicações que podem estar associadas ou serem agravadas pelo processo inflamatório da superfície ocular e pelo prurido contínuo, muito comum em casos de atopia com prurido ocular crônico. Por isso, o diagnóstico precoce e orientações adequadas ao paciente são muito importantes.
O uso frequente de dispositivos eletrônicos, associado ao número elevado de casos de conjuntivite alérgica, pode estar relacionado à alta prevalência de síndrome de olho seco.
Tratamento das alergias oculares5,6

Não há um consenso em relação ao tratamento da conjuntivite alérgica na infância. Além de mudanças de hábitos e do tratamento medicamentoso, é importante que haja entendimento e cooperação da família para que haja sucesso.
Os tratamentos de primeira linha são os mais básicos e podem ser prescritos em todos os casos:
- Compressas frias aplicadas nas pálpebras têm efeito anti-inflamatório;
- Lavagem dos olhos com soro fisiológico contribui para a eliminação local de alérgenos e secreções;
- Lágrimas artificiais podem ser usadas em todas as formas clínicas de conjuntivite alérgica, preferencialmente as apresentações sem conservantes, uma vez que estas substâncias podem causar toxicidade epitelial ou mesmo alergia;
- O controle ambiental visa a limitar o contato com os aeroalérgenos e agentes irritantes;
- Lentes de contato e o uso de cosméticos faciais devem ser evitados.
Os tratamentos de segunda linha são sintomáticos, e também podem ser prescritos por um médico que não seja oftalmologista.
- Cromoglicato de sódio: são estabilizadores de mastócitos e precisam ser usados por alguns dias seguidos, para que se obtenha efeito esperado. Têm a desvantagem de precisar de aplicações repetidas e não devem ser usados por longos períodos.
- Anti-histamínicos tópicos: são indicados para alívio dos sintomas, agem sobre o receptor de histamina H1 das mucosas conjuntivais. As principais moléculas são antazolina, feniramina, levocabastina, emedastina, bepotastina e ebastina. Outras moléculas são mais eficazes pois têm efeitos de estabilizadores de mastócitos adicionais e são chamados de medicamentos de dupla ação. As principais moléculas são cetotifeno, epinastina e olopatadina. Sempre que possível, o tratamento com estes de dupla ação deve ser priorizado.
- Anti-histamínicos sistêmicos: importante optar pelos medicamentos de segunda geração, visto que são mais seguros e sem efeitos colaterais importantes. Auxiliam nos casos mais graves.
Anti-histamínicos tópicos de dupla ação
MEDICAMENTO | APRESENTAÇÃO | POSOLOGIA |
Cetotifeno | 0,25 e 0,5 mg/mL | Maiores de 3 anos: 1 gota em cada olho 2 vezes ao dia (máximo 6 semanas) |
Adultos: 1 gota em cada olho 2 a 4 vezes ao dia (máximo 6 semanas) | ||
Emedastina | 0,5 mg/mL | Maiores de 3 anos e adultos: 1 gota em cada olho 2 vezes ao dia |
Olopatadina | 1 mg/mL | Maiores de 3 anos e adultos: 1 gota em cada olho 2 vezes ao dia |
Epinastina | 0,5 mg/mL | 3 anos ou mais: 1 gota em cada olho 2 vezes ao dia |
Tratamentos de terceira linha são usados em casos mais graves, devendo ser prescritos por especialistas.
- Incluem, principalmente, o uso de corticoesteroides tópicos. Normalmente, os protocolos são curtos e com diminuição de dose rápida. É preciso ter cuidado, pois sua eficácia envolve o risco de automedicação e dependência, que pode levar a complicações iatrogênicas, como a catarata e o glaucoma.
- Anti-inflamatórios não esteroidais tópicos são raramente usados porque nem sempre são bem tolerados; já os anti-inflamatórios sistêmicos são usados apenas para superar um período difícil, em casos selecionados de formas graves.
- Os efeitos oculares dos anti-inflamatórios nasais são considerados benéficos em curto prazo nos casos de rinoconjuntivite alérgica (ARC), mas seu uso em longo prazo ainda não foi validado.
- O alergista pode sugerir imunoterapia com alérgenos, em particular nos casos de conjuntivites alérgicas, quando o tratamento sintomático não é suficiente.
- Em formas severas, pode ser usada a ciclosporina. Concentrada a 1% a 2% em colírios, é bem tolerada. É prescrita em casos de ceratoconjuntivite como tratamento poupador de esteroides.
Cuidados básicos
- Os pacientes não devem esfregar os olhos, porque a fricção pode causar degranulação mecânica do mastócito e agravar os sintomas;
- Compressas frias podem ajudar a reduzir a incidência de edema periorbital e da pálpebra;
- O uso frequente ao longo do dia de lágrimas artificiais refrigeradas também pode ajudar a diluir e remover alérgenos;
- Os pacientes devem reduzir ou interromper o uso de lentes de contato durante os períodos sintomáticos, dada a propensão dos alérgenos a aderirem às superfícies das lentes.
Recomendações finais em casos de alergias oculares
- Avaliação médica e dos antecedentes pessoais é fundamental para o diagnóstico;
- Considerar diferentes causas de olho vermelho;
- Sempre questionar sobre sinais e sintomas oculares associados a doenças alérgicas;
- Investigar desencadeantes e orientar controle ambiental;
- Encaminhar a um oftalmologista especialista em casos de sintomas graves, vermelhidão ocular unilateral, dor ocular, distúrbio da visão ou uso prolongado de medicamentos tópicos;
- Encaminhar ao médico alergista para avaliação conjunta e possível tratamento com imunoterapia.
- O atendimento psicológico e o apoio individualizado são fundamentais para ajudar as crianças severamente incapacitadas pela doença da superfície ocular a retomarem seus estudos.
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- Hamrah P et al. Allergic conjunctivitis: Clinical manifestations and diagnosis.
https://www.uptodate.com/contents/allergic-conjunctivitis-clinical-manifestations-and-diagnosis/print - Solé D et al. Fatores associados a alergias oculares em crianças atendidas em serviço especializado. Arq Asma Alerg Imunol – Vol. 2. N° 3, 2018 pag 357-363.
- Sandrin LNA, Santo RM. Perspectivas no tratamento da alergia ocular: revisão das principais estratégias terapêuticas. Rev Bras Oftalmol. 2015; 74 (5): 319-24.
- 4. Leonardi et al. Diagnostic tools in ocular allergy. Allergy.2017;72:1485–1498.
- Fauquert, J. (2019), Diagnosing and managing allergic conjunctivitis in childhood: the allergist’s perspective. Pediatr Allergy Immunol. Accepted Author Manuscript. doi:10.1111/pai.13035.
- Hamrah P et al. Allergic conjunctivitis: management. https://www.uptodate.com/contents/allergic-conjunctivitis-management/print.
- Sanchez MC et al. Allergic Conjunctivitis. J Investig Allergol Clin Immunol 2011; Vol. 21, Suppl. 2: 1-19