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Baixa Estatura – Quando Encaminhar ao Especialista?

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A endocrinopediatra Mariana Zorron traz um conteúdo especial sobre um dos temas mais frequentes no consultório: a baixa estatura. Entenda a questão e atualize-se sobre diagnósticos e tratamentos.

 

O post de hoje é o primeiro de nossa nova colaboradora, Dra Mariana Zorron, pediatra e endocrinopediatra pela UNICAMP. Traz para nós a visão do endocrinologista sobre um dos temas mais frequentemente discutidos quando o assunto é crescimento e desenvolvimento. Quer saber mais?

 

Crescimento é um acontecimento exclusivo da criança e do adolescente, sendo um assunto muito particular ao pediatra. Embora ele seja dependente de fatores genéticos, fatores hormonais, psicológicos, sociais e nutricionais também atuam no crescimento. Fatores genéticos e hormonais possuem influência direta, enquanto que condições nutricionais fornecem os substratos plástico e energético, agindo juntamente com os fatores psicológicos na modulação dos fatores hormonais.

 A baixa estatura é definida como estatura menor que “menos dois desvios-padrões” (-2DP), ou menor que percentil 3 para idade e sexo, ou ainda menor que o -2DP para o alvo parental. 

Para uma adequada avaliação do crescimento, é necessária uma boa anamnese com antecedentes obstétricos, pessoais (trauma, infecções, irradiação), familiares (consanguinidade), além de um exame físico completo, com cálculo de velocidade de crescimento, medidas antropométricas e avaliação de estadiamento puberal.

O cálculo do alvo parental é realizado conforme a fórmula abaixo
(obs.: sempre medir a altura dos pais, pois as informações fornecidas podem estar equivocadas):

MENINAS = [ ALTURA MÃE + (ALTURA PAI − 13cm) ] ÷2  ± 8,5cm

MENINOS = [ ALTURA PAI + (ALTURA MÃE + 13cm) ] ÷2  ± 8,5cm

 

VELOCIDADE DE CRESCIMENTO DE CRIANÇAS E JOVENS

A velocidade de crescimento na infância varia conforme a faixa etária abaixo relacionada:

VELOCIDADE DE CRESCIMENTO
ano 25 cm/ano

•15 cm no 1º semestre

•10 cm no 2º semestre

2º ano 10 cm/ano
2 anos até o início da puberdade 5–7 cm/ano
Puberdade 9 cm/ano (meninas)
10 cm/ano (meninos)

 

É sempre importante lembrar que, em meninas com baixa estatura, é essencial descartar a hipótese de Síndrome de Turner, mesmo que a criança não apresente sinais clínicos sugestivos.

 

O HORMÔNIO DO CRESCIMENTO (GH)

A secreção de GH ocorre de forma pulsátil, com picos de maior amplitude nas fases III e IV do sono. Geralmente ocorrem de 6 a 10 pulsos secretórios em 24 horas, principalmente no período noturno. A amplitude dos pulsos varia conforme a idade, aumentando na puberdade e decaindo na vida adulta.

eixos do hormônio do crescimento

Os pulsos são controlados por um mecanismo complexo que envolve um controle hipotalâmico triplo (somatostatina, grelina e GHRH). A somatostatina determina o momento de ocorrência e amplitude dos pulsos, sem afetar sua biossíntese. O GHRH efetua a transcrição gênica e síntese do GH. A grelina estimula a secreção do GH. GHRH e somatostatina são influenciados por atividade física, nutrição, sono, estresse, esteroides sexuais e hormônios tireoidianos.

O crescimento linear se faz a partir da cartilagem de crescimento dos ossos longos, sendo esse crescimento mantido até o desaparecimento desta cartilagem.

Os IGFs (insulin-like growth factors) são sintetizados principalmente pelo fígado, mas também por células ósseas e musculares, secundários ao estímulo de GH. Possuem ações insulina-símile, estimulando a síntese de DNA e proliferação celular.

Durante a fase intrauterina, os IGFs apresentam menor dependência em relação ao GH, que após o nascimento se torna o seu principal regulador. O IGF-1 encontra-se diminuído em restrições proteico-calóricas, sendo que, em casos de hiperalimentação, não ocorre sua elevação.

As IGFBPs (insulin-like growth factors binding proteins) são as proteínas ligadoras das IGFs, aumentando sua meia-vida e modulando suas ações em níveis autócrino, parácrino e endócrino.

CAUSAS DE DEFICIÊNCIA DE GH

  • Processos inflamatórios/infecciosos (meningoencefalites, hipofisite autoimune);
  • Processos infiltrativos (histiocitose, sarcoidose, hemossiderose);
  • Alterações vasculares (aneurisma, infarto, anemia falciforme);
  • Processos expansivos hipotalâmico-hipofisários (craniofaringioma, glioma, cisto, etc.);
  • Sequela de tratamento de neoplasias (QTX/RTX até 10 anos após);
  • Defeitos congênitos de linha média facial (displasia septo-óptica, fenda palatina, etc.);
  • TCE (perinatais, acidentes, etc.);
  • Genéticos (Sd. de Russel-Silver, Allagille, hipoplasia hipofisária, neuro-hipófise ectópica, etc.);
  • Idiopática

 

DIAGNÓSTICO

  • Exames laboratoriais e de imagem: RX de idade óssea, urina 1, gasometria, cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, cariótipo (meninas), TSH, T4 livre, IGF-1, IGFBP-3, exames para descartar doenças crônicas conforme suspeita clínica (ex.: hemograma para anemia, provas de absorção intestinal para doenças disabsortivas, função renal para doenças renais, função hepática para doenças hepáticas etc.).
  • GH basal não se presta como um exame de triagem pelo fato de ser um hormônio contrarregulador, com valores basais sem significado clínico. Para sua avaliação, são necessários testes dinâmicos.

 

A regulação do crescimento é complexa e multifatorial, sendo os fatores genéticos fundamentais para determinação do potencial do crescimento, porém com uma interface múltipla e articulada com os sistemas endócrino, imunológico e estado nutricional.

Dessa forma, o tratamento depende do diagnóstico etiológico. Por exemplo, se houver uma doença renal, hepática ou desnutrição, o tratamento deverá ser de acordo com a doença de base, reservando-se a reposição hormonal de GH aos casos abaixo descritos.
o crescimento das crianças

INDICAÇÕES DE REPOSIÇÃO DE GH PELA FDA (US Food and Drug Administration)

  • Deficiência de GH isolada ou combinada
  • Síndrome de Turner
  • Insuficiência Renal Crônica
  • Síndrome de Prader-Willi
  • Criança pequena para a idade gestacional
  • Baixa estatura idiopática

 

EFEITOS DO GH

  • Hiperinsulinismo
  • Aumento de lipólise (ativa a lipase lipoproteica)
  • Estimula produção de IGF-1
  • Induz a expansão clonal e a diferenciação de células precursoras da placa de crescimento
  • Aumenta a reabsorção intestinal de fosfato e cálcio
  • Anabolizante proteico

 

CONSENSO ATUAL

  • Uso de doses terapêuticas não aumenta risco de neoplasias
  • Aguardar no mínimo um ano após a cura de neoplasias para iniciar o uso do GH
  • Evitar o uso em pacientes que apresentem doenças que por si só aumentem o risco de neoplasias (Sd. de Down, Sd. de Bloom, Fanconi etc.)

Compete ao pediatra geral verificar se a queixa de baixa estatura é real, através da medição de altura, que deverá ser plotada no gráfico de crescimento juntamente com o canal familiar, calcular a velocidade de crescimento, e realizar o diagnóstico diferencial de comorbidades crônicas que possam estar levando ao seu comprometimento antes de encaminhar ao especialista.

Lembrando que o crescimento é um processo dinâmico, portanto seu diagnóstico nunca é feito em uma única consulta.

REFERÊNCIAS

  1. Vieira, GK, Gonçalves, DF, Setian, N. In: Durval Damiani. (Org.). Endocrinologia na Prática Pediátrica. 2ed. Barueri: Manole, 2011, p. 31-50.
  2. Monte O,  Longui CA, Calliari LE, Kochi C. Endocrinologia para o pediatra. 3. Ed.  Rio de Janeiro: Atheneu, 2007.
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Dra. Mariana Zorron

Endocrinologista Pediátrica. Mestre em Ciências na área de concentração Saúde da Criança e do Adolescente pela UNICAMP. Membro do Departamento Científico e de Endocrinologia da Sociedade de Pediatria do Estado de São Paulo (SPSP). Atua profissionalmente como médica assistente na UNICAMP e em consultório particular. Responsável pelo ambulatório de diabetes relacionado à FC na UNICAMP.

Endereço do consultório: Clínica Affetto Pediatria – R. Bernardo José Sampaio, 339 – Sala 24, Campinas – SP

Fone: (19) 3231-1954

E-mail: contato@marianazorron.com.br

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