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Monitorização da Pressão Intracraniana em Crianças em Traumas Graves — É Mesmo Necessária?

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Discutimos os resultados de recente estudo que analisou os riscos e benefícios da monitorização da pressão intracraniana em crianças com traumas graves.

Com a obrigatoriedade de certas medidas de segurança veiculares, como o uso de cinto de segurança e de cadeiras de segurança infantis, o traumatismo crânio-encefálico (TCE) em Pediatria sofreu, nas últimas décadas, uma queda importante em sua ocorrência. Outros mecanismos, no entanto, como quedas de altura, atropelamentos e colisões enquanto andando em bicicleta, apenas para citar alguns, continuam acontecendo e promovendo lesões potencialmente graves.

Nos Estados Unidos, os TCE são responsáveis por 2.200 mortes e 35.000 hospitalizações de crianças todos os anos.

Nos Estados Unidos, os TCE são responsáveis por 2.200 mortes e 35.000 hospitalizações de crianças todos os anos, sendo que as sobreviventes de quadros graves frequentemente desenvolvem novos problemas motores, de comunicação e/ou comportamentais. Além disso, o aumento da pressão intracraniana (PIC) sabidamente é maior nos TCE graves e pode levar a lesões encefálicas adicionais se não for tratada adequadamente. Nesses casos, podem ser utilizados monitores de PIC (através da inserção cirúrgica de um cateter intracraniano) para monitorização e auxílio na condução desses quadros.

No entanto, a associação entre monitorização da PIC e prognóstico do paciente não é absolutamente certa, ainda mais em Pediatria, em que os estudos são escassos e a qualidade das evidências existentes é relativamente baixa, fazendo com que as diretrizes existentes apenas citem que tais monitores “podem ser considerados” no tratamento de crianças com TCE grave.

Assim, o artigo de hoje, publicado no JAMA Pediatrics em agosto deste ano, começa com uma pergunta feita pelos autores: a monitorização da PIC melhora a sobrevivência funcional de crianças com TCE grave?

 

METODOLOGIA DO ESTUDO & GRUPOS ANALISADOS

Os autores começam o artigo expondo justamente essa dificuldade em relação à qualidade dos trabalhos de que dispunham: amostras pequenas, ajustes de gravidade ou de fatores de confusão inadequados e falta de variáveis. Para superar esses problemas, utilizaram os dados inseridos em duas grandes bases de dados norte-americanas: o Pediatric Health Information System (PHIS) e o National Trauma Data Bank (NTDB). Os dados obtidos foram analisados através de um método de pareamento de escores de propensão, que, em estudos não randomizados, minimiza a chance de vieses devido a variáveis de confusão que podem ser encontradas em uma estimativa do efeito do tratamento obtido apenas pela comparação de resultados entre as unidades que receberam o tratamento versus as que não o fizeram.

Crianças que evoluíram para óbito ou que foram liberadas (o que inclui transferência de unidades) antes de 24 horas foram excluídas da análise; aquelas que tiveram monitores de PIC inseridos após 24 horas da admissão foram acompanhadas no grupo “não tratado” nas análises.

crianca com galo na cabeca

O desfecho primário foi composto por mortalidade, alta hospitalar com cuidados paliativos domiciliares e prejuízos na sobrevivência funcional, determinada como sobrevivência mediante a necessidade de traqueostomias ou gastrostomias que se fizeram inevitáveis na condução dos casos pós-evento (dispositivos que demonstraram, num estudo prévio dos mesmos autores, menores resultados funcionais em crianças após TCE graves).

Após as exclusões, foram analisados os dados de 3.084 crianças <18 anos admitidas nos hospitais incluídos entre 1º de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2012. Foram considerados como critérios de inclusão:

  • os TCE graves (aqueles com escore da Escala de Coma de Glasgow ≤8 na admissão no serviço de Pronto Atendimento),
  • tempo de internação >24 horas e
  • permanência na instituição ao longo do tratamento.

Um total de 675 pacientes (21,9%) tiveram TCE causados por maus tratos (incluindo-se também aqueles por suspeita de maus tratos). Na admissão hospitalar no Pronto Atendimento, 2.236 (72,5%) foram intubados e cerca da metade (1.569 [50,9%]) receberam medicações sedativas.

Do total analisado, 1.002 pacientes (32,5%) tiveram um cateter para monitorização de PIC implantado. As taxas de implantação variaram grandemente entre as instituições, de 6%–50%. Os pacientes que tiveram um cateter para monitorização de PIC implantado também tiveram maior probabilidade de TCE provocado por acidentes automobilísticos, piores escores de gravidade e maior probabilidade de terem tido hemorragias subdurais, subaracnóideas e intraventriculares.

 

RESULTADOS: VALE A PENA MONITORAR A PIC?

Pareando-se as amostras, no entanto, os autores não encontraram evidências estatisticamente significativas entre as taxas de sobrevivência funcional nos grupos estudados (com monitorização de PIC e sem monitorização de PIC). A mortalidade também não variou entre os grupos.

No entanto, crianças monitorizadas tiveram maior tempo de permanência intra-hospitalar, maior tempo de ventilação mecânica e mais terapias dirigidas para o tratamento de hipertensão intracraniana (terapias osmolares, inotrópicos/vasopressores e pentobarbital — um barbitúrico com efeitos similares aos do fenobarbital).

Os prós do presente trabalho:

  • elevado número de dados analisados,
  • estudo multicêntrico,
  • ter ajustes para fatos de confusão,
  • ter considerado o agrupamento de pacientes por centro estudado e
  • ter considerado outros desfechos (sobrevivência funcional do paciente) que não apenas a morte.

 

imagem artigo JAMA PCIO ESTUDO

  • Functional Outcome After Intracranial Pressure Monitoring for Children With Severe Traumatic Brain Injury
  • Tellen D. Bennett MD; Peter E. DeWitt MD; Tom H. Greene PhD; et al
  • JAMA Pediatr. Published online August 28, 2017. doi:10.1001/jamapediatrics.2017.2127

 

Todos os estudos observacionais publicados até o momento (incluindo este) não possuem informações sobre resultados de tomografias computadorizadas ou da progressão do quadro neurológico, de maneira que os autores ponderam que essas duas variáveis podem ser importantes na tomada de decisão de se colocar ou não um cateter para monitorização da PIC. Isso nos leva a considerar que a monitorização da PIC tenha sido fator causal para a decisão dos médicos em relação aos achados acima para esse grupo específico (maior tempo de internação, de ventilação e de terapias dirigidas para hipertensão intracraniana), mas, sem a análise das duas variáveis não estudadas, isso constitui apenas uma presunção.

Uma crítica aos trabalhos de monitorização da PIC é que ela é uma técnica para monitorização e não para tratamento e, por ser um procedimento de baixo risco, é pouco provável que cause benefícios ou malefícios diretamente.

Assim, ainda que o estudo atual não tenha encontrado, com base nos dados disponíveis, diferenças de mortalidade ou de sobrevivência funcional entre os grupos com e sem monitorização, grandes estudos prospectivos de coorte ou ensaios randomizados ainda se fazem necessários.

O estudo pode ser acessado por assinantes do JAMA através do link abaixo:

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Antonio Junior

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp.

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