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Actinomicose – o que todo médico precisa saber

Doença crônica com causas bacterianas, a actinomicose representa um grande desafio diagnóstico ao pediatra. Saiba como identificá-la e tratá-la.

Destaques
  • A actinomicose é uma doença bacteriana geralmente crônica causada por bactérias comensais da boca, do cólon e trato genital.
  • Ela tem diversas formas de apresentação, sendo a forma cervicofacial a mais frequente.
  • Leia nossa revisão sobre o tema e saiba mais sobre esta doença não tão infrequente em Pediatria.
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A actinomicose é uma doença crônica e incomum, causada por bactérias comensais gram-positivas pertencentes à família Actinomycetacea, que normalmente colonizam a boca, o cólon e o trato genital [1,2,3,4]. A doença pode ser subnotificada na literatura pela dificuldade de isolamento na cultura [4].

A forma cervicofacial é a forma mais comum, responsável por 50% dos casos, sendo caracterizada pela formação de abscessos, fístulas e fibrose tecidual [2].

A actinomicose pode acometer também o sistema nervoso central, tórax, região abdominal e pélvica [2].

 

Epidemiologia

Trabalhos holandeses e alemães mostram uma incidência de actinomicose de cerca de 1:100.000 pessoas; não há dados disponíveis em países em desenvolvimento. A doença acomete mais o sexo masculino em relação ao feminino, numa proporção de 3:1. A infecção pode ocorrer em todas as idades; todavia, é rara na população pediátrica e nos maiores de 60 anos [1].

 

Etiologia da Actinomicose

O Actinomyces é uma bactéria gram-positiva com aparência filamentosa, semelhante às hifas dos fungos, daí a origem do nome da doença: actinomicose. Ela pertence à ordem Actinomycetales, família Actinomycetaceae, gênero Actinomyces. Tais bactérias são anaeróbias, estritas ou facultativas, não formadoras de esporos, com uma morfologia celular variável, de filamentos difteroides a cocóides [2]. Algumas características, como a fragmentação rápida em formas bacilares e o método de reprodução por fissão binária, distinguem os Actinomyces dos fungos (reprodução por formação de esporos ou brotamento) [2].

Tanto as Micobactérias como a Nocardia pertencem à mesma ordem; assim, infecções causadas por esses agentes podem ser difíceis de serem distinguidas das causadas pelo Actinomyces [2].

Pelo menos 30 espécies diferentes de Actinomyces foram descritas. Dentre as espécies que causam doença em humanos destacam-se: Actinomyces israeliiActinomyces naeslundii, Actinomyces odontolyticus, Actinomyces viscosus e Actinomyces meyeri [1,2].O A. odontolyticus, é uma das espécies de Actinomyces oral mais prevalente em crianças.

Os Actinomyces são, quase invariavelmente, isolados como parte de uma flora polimicrobiana (75-95%). Em um estudo de mais de 650 casos de actinomicose, os Actinomyces não foram isolados em cultura como único agente em nenhum caso. Os agentes coinfectantes mais encontrados foram: Actinobacillus, Haemophilus aphrophilus, Eikenella corrodens,FusobacteriumBacteroidesCapnocytophagaStaphylococcusStreptococcus Enterococcus [1,2,3].  No entanto, o significado dessas bactérias coexistentes na patogênese da actinomicose permanece incerto [2].

 

Fisiopatologia

As espécies de Actinomyces que causam doenças humanas não são encontradas na natureza, mas fazem parte da flora normal da orofaringe, do trato gastrointestinal e do trato genital feminino. Esses agentes são de baixa patogenicidade, requerendo perda da integridade da barreira mucosa para causar a doença. As doenças orais e cervicofaciais são comumente associadas aos procedimentos odontológicos, trauma, cirurgia oral ou sepse dentária. Infecções pulmonares geralmente surgem após a aspiração de secreções orofaríngeas ou gastrointestinais. A infecção gastrointestinal frequentemente acompanha a perda da integridade da mucosa, como ocorre em cirurgias, apendicite, diverticulite, trauma ou presença de corpos estranhos [1]. Há numerosos relatos de uso de dispositivos contraceptivos intra-uterinos e desenvolvimento de actinomicose do trato genital feminino. Raramente a infecção pode ocorrer por disseminação hematogênica [2]. Não ocorre disseminação de pessoa a pessoa do patógeno.

Outras espécies bacterianas que frequentemente são co-patógenas podem ajudar na disseminação da infecção, inibindo as defesas do hospedeiro e reduzindo a tensão local de oxigênio. Uma vez estabelecido localmente o organismo, ele se espalha para os tecidos circunvizinhos, sem respeitar planos, de maneira progressiva, levando a uma infecção crônica supurativa, endurecida, frequentemente com drenagem e fibrose [1]. Os Actinomyces nos tecidos crescem em aglomerados microscópicos ou macroscópicos de filamentos emaranhados envolvidos por neutrófilos; quando visíveis, esses aglomerados são amarelos pálidos e podem exsudar – são os chamados grânulos de enxofre (descritos assim pela aparência e não por conter enxofre) [1,2].

 

Apresentação Clínica da Actinomicose

Cervicofacial

A forma cervicofacial é a apresentação mais frequente da doença [1,2]. O Actinomyces existe em altas concentrações na cavidade oral e geralmente a doença se manifesta após quebra de barreira, seja devido a cirurgias ou procedimentos odontológicos, seja por trauma, dentes em mal estado de conservação ou outros motivos. 

Esta forma evolui de duas maneiras:

  1. massa crônica (ao longo de semanas a meses), lentamente progressiva, indolor, endurada, que evolui para múltiplos abscessos, fístulas e drenagem;
  2. uma infecção supurativa aguda com rápida progressão para formação de abscesso, menos comum [2].

Pode surgir dor e trismo, desproporcionais à inflamação local (visível).

A fistulização da região perimandibular é a manifestação mais facilmente reconhecida da actinomicose cervicofacial. Como a infecção não respeita planos, pode ocorrer periostite ou osteomielite se a infecção se estender aos ossos faciais e maxilares. A mandíbula é o local mais comum de osteomielite (53,6% dos casos). Se a infecção se estender aos seios da face e ossos da face, pode desencadear meningite [2].

 

Torácica

Ocorre mais frequentemente após aspiração de secreções orofaríngeas ou gastrointestinais em pacientes com histórico ou fatores de risco para aspiração, mas pode ocorrer também por extensão da doença cervicofacial ou disseminação do abdome e, raramente, por disseminação hematogênica. Manifesta-se clinicamente como uma pneumonia crônica, indolente, de evolução lenta, com ou sem envolvimento pleural, com tosse produtiva, febre, dor torácica e perda de peso, mimetizando tuberculose ou malignidade. A doença pode se estender para o mediastino e causar fístulas traqueoesofágicas, pericardite, miocardite ou endocardite; o envolvimento mediastinal posterior pode levar à infecção vertebral com destruição óssea ou doença dos músculos paravertebrais e dos tecidos moles [1].

 

Abdominal

É a forma mais indolente. Portanto, o diagnóstico raramente é suspeitado ou realizado por motivos clínicos; em geral, o laboratório ou o patologista fornece o diagnóstico. A infecção geralmente se desenvolve após a perda da integridade da mucosa do trato gastrointestinal por procedimentos cirúrgicos ou trauma. Apendicite perfurada é o evento predisponente mais comum e, como resultado, a infecção abdominal do lado direito é muito mais frequente. Raramente ocorre disseminação para fígado, baço e rins. O evento desencadeante pode preceder o diagnóstico em meses a anos. Os sintomas e achados são inespecíficos, como febre, perda de peso, constipação ou diarreia e dor abdominal [1].

 

Pélvica

Forma extremamente rara na população pediátrica e é quase exclusivamente observada em pacientes que apresentam uso prolongado de dispositivos de contracepção intrauterina, por mais de 2 anos. Pode se desenvolver a partir da extensão de infecção intestinal. Geralmente tem história de uso prolongado de um dispositivo contraceptivo intrauterino, corrimento vaginal, dor abdominal ou pélvica, menorragia, febre e perda de peso [1].

 

Sistema Nervoso Central

Não há características clínicas que a distinguem de outras infecções do Sistema Nervoso Central. Nesses casos, pode haver ou não envolvimento meníngeo, aumento de pressão intracraniana e sinais focais – quando presentes, dependem do local anatômico envolvido. Os quadros com acometimento meníngeo têm, em geral, sinais de meningite crônica, com cefaleia, sem toxemia e alterações neurológicas sutis [1].

 

Diagnóstico da Actinomicose

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Dr. Breno Montenegro Nery

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação pela Universidade Federal de Pernambuco e especialização pela Unicamp.
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