Celulite Pré-Septal (Periorbitária): o que é, como diagnosticar e como tratar
Entenda o que é a celulite pré-septal, quais as diferenças com a celulite pós-septal, quais são os métodos diagnósticos e tratamentos mais eficientes.
Celulite pré-septal — uma introdução
A celulite pré-septal (periorbitária) é uma infecção da porção anterior da pálpebra, não envolvendo a órbita ou outras estruturas oculares (gordura ou músculos oculares).
A diferenciação entre celulite pré-septal (periorbitária) e pós-septal (orbitária) se dá pelo acometimento anterior ou posterior ao septo orbitário, respectivamente. Tal distinção é de suma importância, porque o tratamento e as complicações das duas entidades são muito diferentes [1,2].
A celulite pós-septal envolve os músculos e/ou a gordura localizados dentro da órbita e será discutida num próximo post. Nenhuma das duas envolve diretamente o globo ocular.
Aspectos anatômicos
A órbita ocular é uma estrutura em forma de cone, situada horizontalmente, com o seu ápice no crânio. Ela tem os limites definidos pelos seios paranasais — superiormente pelo seio frontal, medialmente pelo seio etmoidal e inferiormente pelo seio maxilar. Os seios etmoidais são separados da órbita pela lâmina papirácea, uma fina camada da espessura de um papel, que contém muitas perfurações para nervos e vasos sanguíneos. A via mais comum para infecção orbitaria é por extensão dos seios etmoidais, provavelmente facilitada por essas perfurações. Igualmente aos outros ossos, a órbita é revestida pelo periósteo, que se projeta para dentro da pálpebra, formando o septo orbitário [1,2,3].
O septo orbitário é uma membrana fina, composta de tecido conectivo fibroso, que se origina do periósteo da órbita e se insere nas superfícies anteriores das placas tarsais das pálpebras, formando o limite anterior do compartimento orbitário. O septo separa a pálpebra superficial das estruturas mais profundas da órbita e forma uma barreira, prevenindo que infecções e hematomas na pálpebra se estendam para a órbita. Ele tem, assim, uma função protetora [1,2].
Epidemiologia da celulite pré-septal
A celulite pré-septal é uma doença predominantemente pediátrica. Aproximadamente 80% dos pacientes acometidos têm menos de 10 anos de idade, sendo a maioria menores de 5 anos.
Quando comparados, os pacientes com celulite pré-septal tendem a ser mais jovens que os pacientes com celulite pós-septal [2,3]. Em estudo comparativo entre celulite pré e pós-septal em pacientes internados, em torno de 83–94% mostraram acometimento pré-septal [4].
Há maior predominância do sexo masculino, especialmente nos meses frios, épocas em que há maior número de doenças respiratórias e complicações das mesmas [5].
Etiopatogenia
A infecção decorre mais frequentemente de uma lesão direta da pálpebra, devido a traumatismo, picada de insetos ou outras lesões da pele (varicela, mordeduras de animais etc.). Além disso, pode se originar de uma extensão de um processo infeccioso-inflamatório de regiões adjacentes, como ocorre em casos de conjuntivite, dacriocistite ou sinusite[1,3]. Há dados conflitantes na literatura, que traz alguns estudos demonstrando a sinusite como causa mais comum de celulite pré-septal, embora a maioria dos trabalhos confirme a lesão direta da pálpebra como causa mais prevalente[1].
Nas crianças menores de 36 meses, a celulite pré-septal pode se originar de uma bacteremia, especialmente por pneumococo e Haemophilus influenzae tipo b (Hib), que era o agente etiológico mais frequentemente envolvido nas formas bacterêmicas no período pré-vacinal [3]. Lembro que a sinusite geralmente é a principal causa de celulite pós-septal, mas também pode ocasionar a forma pré-septal [2]. Apesar da proteção do septo orbitário, em alguns casos, a celulite pré-septal pode disseminar-se posteriormente, formando abscessos subperiosteais e orbitários [2]. A infecção orbitária pode se espalhar posteriormente e causar trombose do seio cavernoso ou meningite [2].
Etiologia
Os dados referentes às causas da celulite pré-septal são limitados, visto que hemoculturas são quase sempre negativas, e não é possível obter culturas das pálpebras a menos que haja uma lesão inicial (por exemplo, abscesso da pálpebra ou ferida infectada). Portanto, a maioria dos dados microbiológicos publicados é provavelmente informada por culturas do nariz ou seios da face, que podem não refletir o verdadeiro patógeno [1].
Com base nos dados disponíveis, as causas mais comuns de celulite pré-septal são:
- Staphylococcus aureus;
- Espécies de Streptococcus (S. pneumoniae, S. pyogenes e S. viridans);
- Anaeróbios, refletindo os organismos que comumente causam infecções do trato respiratório superior e infecções palpebrais externas [1,2,3].
Após disseminação do uso da vacina contra o Hib, a taxa de hemoculturas positivas para H. influenzae caiu. Estudos demonstraram que a taxa de hemocultura positiva para esse agente é agora inferior a 4%. Um estudo que analisou especificamente a celulite pré e pós-septal desde o advento da vacina descobriu que as taxas de celulite relacionada ao Hib caíram de 11,7% para 3,5%. O interessante é que o total de casos por ano de todos os patógenos também diminuiu, sugerindo que esse agente poderia ter um papel de facilitador na patogênese da celulite [2].
Outras causas infrequentes de celulite pré-septal incluem: espécies de Acinetobacter, Nocardia brasiliensis, Bacillus anthracis, Pseudomonas aeruginosa, Neisseria gonorrhoeae, Proteus spp, Pasteurella multocida, Mycobacterium tuberculosis e Trichophyton spp [2] . Esses patógenos podem estar ligados a exposições específicas [2]. A Pasteurella multocida não pode ser esquecida em casos de mordedura, arranhadura ou lambeduras em face por cães ou gatos.
Fatores de risco para celulite pré-septal
Algumas alterações podem predispor o desenvolvimento da celulite pré-septal, dentre elas: [2]
- hordéolo;
- calázio;
- picada de insetos;
- trauma de pálpebras;
- procedimentos cirúrgicos palpebrais;
- procedimentos orais;
- dacriocistite;
- infecção do trato respiratório superior, especialmente sinusite, pode estar presente concomitantemente com a celulite pré-septal ou ter ocorrido recentemente.
Algumas doenças sistêmicas foram relatadas com celulite pré-septal concomitante, incluindo: varicela, asma, polipose nasal e neutropenia [2].
Manifestações Clínicas
Os sinais e sintomas mais comuns da celulite pré-septal são:
- dor ocular unilateral;
- edema palpebral;
- eritema palpebral.
O edema, às vezes, pode impedir a abertura espontânea dos olhos [1,2]. A quemose (edema conjuntival) pode ocasionalmente ocorrer em casos graves de celulite pré-septal [1]. Se houver histórico de trauma periorbitário, a presença de corpo estranho deve ser excluída.
A febre pode estar presente nos dois tipos de celulite, mas é mais prevalente na celulite pós-septal [3]. A conjuntivite pode estar presente, portanto exame da conjuntiva e observação da drenagem conjuntival devem ser realizados [2].
Pacientes com celulite pré e pós-septal podem apresentar sintomas semelhantes, com inflamação e hiperemia palpebral. Sendo assim, é essencial estabelecer o diagnóstico diferencial entre as duas entidades, devido às implicações prognósticas [3].
Na celulite pré-septal os pacientes apresentam:
acuidade visual normal, ausência de proptose, ausência de diplopia, movimentos oculares normais e ausência ou dor apenas leve à movimentação ocular [2,3].
Pacientes com motilidade ocular limitada ou diminuição da acuidade visual devem realizar teste de visão e reação pupilar, pois tais sintomas sugerem que a inflamação se espalhou para a órbita. Um defeito pupilar aferente relativo sugere compressão do nervo óptico, e a drenagem cirúrgica imediata deve ser realizada. Resistência à retropulsão e proptose sugerem envolvimento orbitário. O fundo de olho deve ser realizado cuidadosamente em busca de sinais de edema do nervo óptico e ingurgitamento venoso nos casos de acometimento orbitário [2].
Em pacientes febris com dor desproporcional aos achados clínicos, a fasceíte necrosante periorbitária deve ser considerada [2].
Diagnóstico da celulite pré-septal
O diagnóstico de celulite pré–septal é geralmente clínico, feito em um paciente com edema palpebral e eritema, uma vez que a celulite orbitária foi excluída. O exame de imagem podem ser utilizado para casos duvidosos [1].
Exames de laboratório — O teste laboratorial é geralmente desnecessário para pacientes com celulite pré-septal. Embora não recomendadas como rotina, as hemoculturas podem ser realizadas em pacientes muito jovens, pacientes com febre e em casos em que a possibilidade de celulite orbital não pode ser inteiramente excluída [1].
Exames de imagem — Em casos com edema importante, em crianças pequenas não colaborativas em que a história e exame não possam fechar o diagnóstico ou em casos em que, após início do tratamento, ocorre manutenção da febre e ausência de melhora dos sintomas, estará indicada a realização de tomografia computadorizada (TC) com contraste das órbitas e seios da face [2]. Os achados de imagem na celulite pré-septal são edema da(s) pálpebra(s), sem proptose, sem infiltração da gordura orbitária e sem edema dos músculos extra-oculares. A sinusite pode estar presente na celulite pré-septal, mas está quase sempre presente na celulite orbitária [1].
A ultrassonografia orbital pode ser uma ferramenta útil para auxiliar no diagnóstico da inflamação orbitária, embora exija observadores experientes e equipamentos especializados que podem não estar disponíveis na maioria das instituições [2].
Diagnóstico Diferencial
O principal diagnóstico diferencial é a celulite pós-septal, que é mais grave.
Outros diagnóstico que devem ser pensados:
- Dermatite de contato alérgica (por exemplo, a um antibiótico oftálmico tópico), mas geralmente pode ser diferenciada pelo histórico de exposição;
- Edema periorbitário de alergias ambientais ou angioedema, que é geralmente bilateral (em contraste com a celulite pré-septal, que geralmente é unilateral);
- Hordéolo;
- Calázio;
- Conjuntivites bacterianas ou virais podem causar edema palpebral, mas os achados conjuntivais (por exemplo, infiltração e irritação) a distinguem da celulite pré-septal;
- Dacriocistite e dacriadenite;
- Herpes simples;
- Herpes zoster.
Tratamento
Está gostando desse texto?
Cadastre-se gratuitamente no PortalPed para ler o restante da matéria!