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Sepse — Diagnóstico e atualizações da ILAS em 2019

Como realizar o diagnóstico e dar o devido (e rápido) tratamento aos casos de sepse, uma das principais causas de mortalidade infantil?

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A sepse é uma das principais causas de mortalidade infantil em qualquer faixa etária, sendo a primeira causa em crianças abaixo de 5 anos (se excluirmos as doenças congênitas, prematuridade e complicações ligadas ao parto). Dada sua gravidade, esse é um tema recorrente em todos os congressos e fóruns de debate ao redor de todo o mundo — e é por isso que, neste início de 2019, diversas entidades trouxeram atualizações para o nosso dia a dia de combate a tal grupo de enfermidades.

A principal atualização é a trazida pela ILASInstituto Latino Americano de Sepse, publicada agora no mês de fevereiro, e disponível em: https://ilas.org.br/materiais-pediatria.php

Nos últimos anos, a terapia intensiva evoluiu bastante e as taxas de sobrevida das crianças acometidas pela sepse tem aumentado exponencialmente. 

Baseadas justamente nesses dados — cada vez mais consistentes e que mostram que, quanto mais eficaz e rápido é o reconhecimento e o tratamento da sepse, maior é a taxa de sucesso —, as unidades de saúde têm buscado melhorar a estrutura e o fluxo de atendimento dessas crianças, com a implementação de protocolos e treinamento das equipes. No website da ILAS linkado acima, você encontrará, além do documento que discorre sobre a teoria da sepse, algumas orientações e fluxogramas que servem como guia para a melhora do padrão de atendimento das crianças gravemente enfermas.

O objetivo da nossa conversa aqui, hoje, é trazer à luz essa atualização sobre sepse, com foco na importância que todos nós devemos dar ao diagnóstico precoce e à instituição rápida e agressiva do tratamento.

 

Sepse: Definição

Afinal, o que é a sepse pediátrica?

Internacionalmente, as discussões do Surviving Sepsis Campaign, do American College of Critical Care Medicine e as definições para sepse da Society of Critical Care Medicine e da World Federation of Pediatric Intensive and Critical Care Societies são os principais guidelines a serem seguidos. As definições e critérios de sepse em adultos foram atualizados recentemente, com mudanças inclusive na terminologia.

Entretanto, na faixa etária pediátrica, essas mudanças ainda não ocorreram. Seguimos considerando para fins de definição aqueles aspectos definidos em 2005 pela International Pediatric Sepsis Consensus Conference (IPSCC).

Assim, define-se inicialmente a Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SRIS) como presença de pelo menos dois dos seguintes critérios, sendo que um deles deve ser alteração da temperatura ou do número de leucócitos:

  • Alteração de temperatura corpórea: hipertermia ou hipotermia.
  • Taquicardia: frequência cardíaca (FC) inapropriada para idade na ausência de estímulos externos ou bradicardia para criança.
  • Taquipneia: frequência respiratória (FR) inapropriada para idade (vide Quadro 1) OU necessidade de ventilação mecânica para um processo agudo não relacionado à doença neuromuscular de base ou necessidade de anestesia geral.
  • Alteração de leucócitos: leucocitose ou leucopenia não secundárias à quimioterapia, ou presença de formas jovens de neutrófilos no sangue periférico.

 

Quadro 1. Sinais vitais em pediatria, conforme a idade

Grupo Etário Temperatura
(em ºC)
FC (em bpm)
Taquicardia / Bradicardia
FR
(em irpm)
Contagem de leucócitos
(em x103)
PAS (em mmHg)
0 a 1 mês 38 > 205 < 85 > 60 > 34 < 60
≥ 1 a 3 meses 38 > 205 < 85 > 60 > 19,5 ou < 5 < 70
≥ 3 meses a 1 ano 38,5 > 190 < 100 > 60 > 19,5 ou < 5 < 70
≥ 1 ano a 2 anos 38,5 > 190 - > 40 > 17,5 ou < 5 < 70 + (idade em anos x2)
≥ 2 a 4 anos 38,5 > 140 - > 40 > 15,5 ou < 6 < 70 + (idade em anos x2)
≥ 4 a 6 anos 38,5 > 140 - > 34 > 13,5 ou < 4,5 < 70 + (idade em anos x2)
≥ 6 a 10 anos 38,5 > 140 - > 30 > 11 ou < 4,5 < 70 + (idade em anos x2)
≥ 10 a 13 anos 38,5 > 100 - > 30 > 11 ou < 4,5 < 90
≥ 13 anos 38,5 > 100 - > 16 > 11 ou < 4,5 < 90

Legenda: FC: frequência cardíaca, FR: frequência respiratória, PAS: pressão arterial sistólica, bmp: batimentos por minuto, rpm: respirações por minuto. Valores inferiores de FC, nº de leucócitos e PAS são referentes ao Percentil 5 e valores superiores de FC, FR ou nº de leucócitos são referentes ao Percentil 95 (adaptado ACCCM Clinical Practice Parameters for Hemodynamic Support of Pediatric and Neonatal Septic Shock – 2017)

 

Faço, aqui, duas observações:

  • Em primeiro lugar, a febre pode ser considerada no período de 4 horas antes da apresentação ao atendimento médico, no qual estão sendo percebidos os sinais de SRIS; e a análise da frequência cardíaca e respiratória deve ser avaliada, preferencialmente, na ausência da hipertermia, pois na vigência de febre a presença de taquicardia e taquipneia em crianças é extremamente comum.
  • Em segundo lugar, antes de definir sepse, é importante definir infecção. Essa situação pode ser confirmada por exames complementares ou pela presença de uma síndrome clínica associada com alta probabilidade de infecção.

Faz-se, então, da união de 2 ou mais sinais de SRIS, sendo 1 deles a distermia ou alteração laboratorial, com a presença ou forte suspeita clínica de infecção, o diagnóstico de sepse.

 

Sepse Grave

Quando tivermos disfunção orgânica associada à sepse, damos o nome de sepse grave. Tal disfunção pode ser cardiocirculatória ou respiratória, ou 2 ou mais disfunções de outros sistemas combinados (hematológico, neurológico, hepático ou renal)

 

Quadro 2. Definições de disfunções nos diversos órgãos e sistemas

Sistemas Disfunções
Cardiovascular Apesar da administração de fluídos endovenosos ≥ 40mL/kg em uma hora, presença de:
- hipotensão arterial, definida como pressão arterial sistólica (PAS) < percentil 5 para idade ou PAS < 2 desvios padrão abaixo do normal para a idade (Quadro 1) OU
- necessidade de medicação vasoativa para manter a PAS dentro dos valores normais (exceto dopamina ≤5μg/kg/min) OU
- dois dos seguintes parâmetros de perfusão orgânica inadequada:
˚ tempo enchimento capilar (TEC) prolongado;
˚ diferença entre a temperatura central e a periférica > 3ºC;
˚ oligúria (débito urinário < 1,0 mL/kg/h);
˚ acidose metabólica inexplicável: déficit de bases > 5,0mEq/L;
˚ lactato acima de 2 vezes o valor de referência.
Respiratória - PaCO2> 20 mmHg acima da PaCO2 basal OU
- PaO2/FiO2< 300 na ausência de cardiopatia cianótica ou doença pulmonar pré-existente OU
- Necessidade de FiO2> 50% para manter SatO2≥ 92% OU
- Necessidade de ventilação não invasiva (VNI) ou ventilação mecânica (VM).
Neurológica - Escala de coma de Glasgow (ECG) ≤ 11 OU
- Alteração aguda do nível de consciência com queda ≥ 3 do nível anormal da ECG basal
Hepática - Aumento significativo de bilirrubinas totais (≥4 mg/dL) OU
- ALT/TGP ≥2 vezes maior que o limite superior para idade.
Renal - Creatinina ≥ 2 vezes que o limite superior para idade OU
- Aumento de creatinina de 2 vezes em relação ao basal.
Hematológica - Plaquetas < 80.000/mm³ ou redução de 50% no número de plaquetas em relação ao maior valor registrado nos últimos 3 dias OU
- Alteração significativa de RNI (> 2).

PAS: pressão arterial sistólica, TEC: tempo enchimento capilar, ECG: escala de coma de Glasgow, PaCO2:
pressão parcial de CO2 em sangue arterial, PaO2:pressão parcial de O2 em sangue arterial, FiO2:Fração
inspirada de O2, SatO2: Saturação de O2, VNI: ventilação não invasiva, VM: ventilação mecânica, ALT:
alanina aminotransferase, TGP: enzima transaminase glutâmico pirúvica, RNI: Razão Normalizada
Internacional.

 

Choque Séptico

Quando temos a disfunção cardiovascular, não responsiva à terapia de ressuscitação fluídica, mesmo na ausência de hipotensão, classificamos o quadro como choque séptico. É essencial ressaltar que a hipotensão normalmente é sinal tardio de sepse grave ou choque séptico em pediatria. Não devemos aguardar o aparecimento de hipotensão para instituir tratamento agressivo.

 

Sepse: atenção às alterações microcirculatórias e celulares

É essencial enxergarmos a sepse não só do aspecto macro, mas também microcirculatório e celular. Essencialmente, a sepse leva a uma disfunção celular através do prejuízo da entrega de oxigênio e nutrientes; a disfunção orgânica e o consequente óbito são decorrentes desse malfuncionamento pluricelular. Sendo assim, a presença de elevação de marcadores de disfunção celular, como o lactato, ou a presença de acidose metabólica devem ser levados em consideração nessa análise.

Deve-se lembrar que as alterações de frequência cardíaca e respiratória em pediatria são comuns mesmo em quadros de pouca gravidade

Não existe, entretanto, nenhum marcador isolado que é confiável em sepse na pediatria, nem no que diz respeito a diagnóstico, nem no que diz respeito à avaliação de gravidade.

Ressalto ainda que, como já dissemos anteriormente, as alterações de frequência cardíaca e respiratória em pediatria são comuns mesmo em quadros de pouca gravidade. A deterioração do estado geral, especialmente do nível de consciência, é indicativo clínico da potencial gravidade. Preste atenção especial às crianças com irritabilidade ou sonolência anormais, ou naquelas que os pais percebam nível de interação fora do habitual. Atente-se também para o tempo de enchimento capilar, que é um referencial bastante razoável da perfusão.

Também merecem atenção especial os pertencentes a grupos de risco, em especial os imunossuprimidos, os pacientes oncológicos e os lactentes jovens e prematuros.

 

Importância do tratamento precoce da sepse

Nos casos de sepse, existe uma estimativa de que cada hora de atraso para normalização da perfusão tecidual implica em um aumento de duas vezes no risco de morte.

Como intensivista, vivencio no meu dia a dia a importância da boa e da má condução inicial dos casos de sepse. É evidente a diferença da evolução das crianças que recebem atendimento adequado e rápido, quando comparadas àquelas para as quais, por diversas razões, o início da intervenção foi postergado. Temos, portanto, que trabalhar pelo treinamento das equipes multiprofissionais, fazendo com que todos desempenhem seu papel da melhor forma possível, desde o início do contato do paciente com o serviço de saúde. Temos também que brigar pela estruturação de nossos serviços, de tal modo que os conhecimentos e as habilidades desses profissionais treinados possam ser postos em prática, minimizando entraves e atrasos.

 

Como otimizar o atendimento ao paciente?

A ILAS propõe nessa revisão um fluxograma, além de fichas de triagem e checklist para facilitar e acelerar o atendimento e tratamento desses pacientes.

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Dr. Sidney Volk

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp. Membro do corpo editorial do PortalPed.
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