Conduza Corretamente o Estado de Mal Convulsivo

O Estado de Mal Convulsivo é uma situação frequente nos pronto-socorros, gerando grande preocupação. Saiba como realizar a avaliação, o diagnóstico e como iniciar os tratamentos medicamentosos.
DEFINIÇÃO DO ESTADO DE MAL EPILÉPTICO
EME é classicamente definido como uma crise convulsiva com duração superior a 30 minutos, ou então como crises recorrentes, de duração maior que 30 minutos, e sem a recuperação completa da consciência entre cada uma delas.
Alguns autores, entretanto, sugerem a classificação de EME incipiente, com a redução desse tempo da definição para intervalos variando entre 5 a 20 minutos. Essa escolha é feita pois a resposta à terapia medicamentosa tende a ser melhor quanto mais precocemente ela for instituída. A International League Against Epilepsy (ILAE) sugere que após 5 minutos de crise generalizada já houve falha dos mecanismos responsáveis por cessar a crise, o que provavelmente configurará EME. Sugere, portanto, que o tratamento seja instituído para que se previna a lesão neuronal [1]. Para fins práticos, portanto, a literatura tende a indicar início do tratamento após 5 minutos de crise.
Para fins práticos, a literatura tende a indicar início do tratamento após 5 minutos de crise.
O EME é definido por alteração do funcionamento cerebral, com descarga elétrica excessiva de um grupo de neurônios, gerando impulsos de maneira anormalmente elevada, recrutando neurônios vizinhos e provocando uma reação em cadeia. Tal fenômeno pode ser desencadeado por desequilíbrios estruturais do cérebro, desequilíbrio entre impulsos excitatórios e inibitórios ou diminuição da capacidade de regulação do fluxo iônico pelos neurônios.
O glutamato é o principal aminoácido excitatório cerebral e o ácido gama-aminobutírico (GABA) é o principal neurotransmissor inibitório. Desequilíbrios envolvendo essas substâncias estão diretamente envolvidos no aparecimento do EME [1].
ETIOLOGIA DO EME
São inúmeras as possíveis etiologias e a definição diagnóstica é essencial para que seja instituído o tratamento definitivo. Entretanto, lembramos que essa definição não é necessária para que as medidas de controle das crises sejam realizadas.
As principais etiologias são:
- convulsões febris (etiologia mais comum)
- processos infecciosos (meningites, encefalites)
- trauma cranioencefálico (TCE)
- eventos isquêmicos
- distúrbios metabólicos (hiponatremia, hipoglicemia, entre outros)
- crise hipertensiva
- crise tireotóxica
- erros inatos do metabolismo
- encefalopatia hipóxico-isquêmica
- mal uso de medicações anticonvulsivantes (intoxicação ou não aderência)
- intoxicações exógenas e
- malformações do sistema nervoso central (erros de migração neuronal, disgenesias) [1].
Entre 10–20% das crianças portadoras de epilepsia apresentarão ao menos 1 episódio de EME [1].
CLASSIFICAÇÃO
Podemos classificar o EME como parcial simples ou complexo e generalizado convulsivo ou não convulsivo.
- EME parcial simples: crises focais sem comprometimento da consciência
- EME parcial complexo: crises focais com comprometimento da consciência
- EME generalizado convulsivo
- EME generalizado não convulsivo
AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO
A anamnese dirigida e as medidas de suporte básico de vida são essenciais para uma condução adequada do EME, mas não devem atrasar o início do tratamento farmacológico. É essencial obter do cuidador/acompanhante dados como: descrição do quadro atual e tempo de evolução, história de febre, alterações de comportamento, sinais de sepse, história de trauma, sintomas indicadores de aumento de pressão intracraniana (cefaleia persistente/progressiva, por exemplo), uso de medicações anticonvulsivantes ou não, resposta a tratamentos anteriores de EME (qual droga foi mais efetiva) e possibilidade de intoxicações exógenas [2].
A investigação etiológica é fundamental, mas não deve atrasar a instituição do tratamento para controle das crises.
A investigação complementar deve ser iniciada tão logo seja possível, mas não deve atrasar o tratamento farmacológico do EME. A glicemia capilar deve ser determinada no início da condução do caso, com correção da hipoglicemia, caso presente. Sugerimos também que sejam obtidos: eletrólitos (sódio, potássio, cálcio total e iônico, magnésio) e gasometria, obrigatoriamente e na primeira oportunidade possível [2].
⇒ Caso haja suspeita de etiologia infecciosa, é importante a obtenção de hemograma, hemoculturas e punção liquórica (que deve ser realizada somente após controle do EME). Caso haja suspeita de hipertensão intracraniana (HIC), deve-se realizar tomografia de crânio previamente. No caso de se suspeitar de meningite, deve-se iniciar antibioticoterapia dentro da primeira hora do atendimento, mesmo que a punção liquórica não tenha sido realizada.
⇒ A tomografia de crânio deve ser realizada em todo paciente com suspeita de HIC; nos casos de EME parcial ou com sinais localizatórios; e em todos os paciente que nunca haviam apresentado quadro convulsivo previamente ao EME atual. Deve ser realizada oportunamente, após controle do EME.
⇒ Deve-se considerar triagem toxicológica caso haja suspeita clínica ou na anamnese de uso/abuso de substâncias psicoativas ou desencadeantes de EME (anfetaminas, cocaína, teofilina, antidepressivos tricíclicos, etc). Obtenha nível sérico de medicações anticonvulsivantes. Lembramos que a principal causa de EME em pacientes portadores de epilepsia é o mau uso das medicações, ou mesmo o uso correto, mas em doses inadequadas, acarretando baixo nível sérico. Vale lembrar que a intoxicação por algumas drogas anticonvulsivantes também pode desencadear o EME.
⇒ A ressonância magnética de crânio é mais sensível que a tomografia e deve ser realizada para investigação etiológica, conforme discussão com a equipe de neurologia.
⇒ A pesquisa de erros inatos do metabolismo deve ser discutida com a equipe de neurologia, e deve ser feita oportunamente, especialmente em neonatos e lactentes.
⇒ O eletroencefalograma (EEG) deve ser realizado precocemente, se possível nas primeiras horas de evolução do EME. Caso o EME se torne refratário, a monitorização contínua do traçado de EEG também é sugerida. Nos casos de não recuperação do nível de consciência, a realização do EEG é essencial, visto que pode estar ocorrendo atividade epileptiforme sem manifestação motora (EME não epiléptico/não motor – crises subclínicas) [2].
TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
Não existe consenso na literatura sobre uma sequência de drogas a ser utilizada em EME em pediatria. Deve-se considerar a disponibilidade da medicação no serviço em questão, as particularidades do caso em questão, a faixa etária e a resposta prévia a tratamentos de EME.
A hipoglicemia deve ser tratada prontamente, visto que é causa isolada e epidemiologicamente importante de EME. Deve-se realizar bôlus endovenoso (EV) de 2 ml/kg de glicose a 25% ou 5 ml/kg de glicose a 10%, com controle subsequente de glicemia capilar (dextro) e nova correção se necessário. Deve-se administrar medicação antipirética nos casos de hipertermia, pois pode ser fator desencadeante ou mantenedor do EME.
A hipoglicemia é causa frequente de mal epiléptico em pediatria. Por isso deve ser prontamente identificada e tratada
BENZODIAZEPÍNICOS
Os benzodiazepínicos são os medicamentos de primeira linha no tratamento do EME na faixa etária pediátrica não neonatal (>28 dias). A via endovenosa é a preferencial, porém a não obtenção de acesso vascular não deve atrasar a administração da primeira dose. A droga de escolha é o lorazepam. Infelizmente, a sua apresentação endovenosa ainda não é disponível rotineiramente no Brasil. A dose preconizada é de 0,1 mg/kg, máximo de 4 mg, numa infusão máxima de 2 mg/min. A primeira dose pode ser administrada por via oral ou retal. A dose pode ser repetida após um intervalo de 5 a 10 minutos. O risco de depressão respiratória aumenta se forem necessárias mais de 2 doses. Por tal motivo, não devemos ultrapassar 10 mg em 20 minutos. A recomendação é que, se não houver resposta após 2 doses endovenosas, deve-se passar para o tratamento de segunda linha. [2]
São alternativas:
- Midazolam: dose oral (0,5 mg/kg, máximo de 10 mg), intranasal (0,2 mg/kg, máximo de 5 mg em cada narina), intramuscular (0,2 mg/kg) ou endovenoso (0,2 mg/kg).
- Diazepam: dose retal (0,5 mg/kg, máximo de 20 mg) ou endovenoso (0,3 mg/kg, máximo de 5 mg em menores de 5 anos e 10 mg em maiores de 5 anos). O diazepam é menos eficaz e resulta em mais depressão respiratória se comparado ao Lorazepam. Não há evidência para uso do diazepam ampola por via nasal.
A forma mais otimizada de administrar medicações pela via intranasal é através da utilização de atomizadores.

FENITOÍNA
Deve ser a segunda linha do tratamento, exceto na faixa neonatal (3ª linha), nos casos de intoxicação exógena e nos casos de boa resposta a outra droga em EME anterior [3].
A dose preconizada é de 20 mg/kg e deve ser diluída em solução fisiológica; se diluída em solução glicosada, ocorrerá precipitação. A infusão deve ser no máximo 1 mg/kg/min ou 50 mg/min. A dose máxima recomendada é de 1.000 mg [4]. O paciente deve estar monitorizado, pois pode apresentar arritmias e hipotensão. Deve-se garantir que o acesso esteja adequado, pois o extravasamento da solução pode levar a necrose tecidual (purple glove syndrome).
FENOBARBITAL
É a primeira escolha no EME no período neonatal.
A dose inicial é de 20 mg/kg, até o máximo de 1.000 mg, podendo ser diluído em SF ou SG 5% [5]. Deve ser infundido no máximo a 2 mg/kg/min ou 50 mg/min. Os principais efeitos colaterais são: sedação, depressão respiratória e hipotensão. Sendo assim, ao iniciar a infusão, certifique-se de que há material para suporte ventilatório disponível ao lado do leito. Há a possibilidade de se realizar doses suplementares de 10 mg/kg (até totalizar 40 mg/kg) após intervalos de 30 minutos, porém aumentando o risco de efeitos colaterais. Há descrição na literatura de utilização de até 80 mg/kg de fenobarbital para controle do EME, com sucesso. Após a dose de 20 mg/kg, caso não haja controle da crise, sugere-se instituir o próximo passo.
Caso o paciente já tenha recebido o benzodiazepínico, a fenitoína e o fenobarbital sem o controle adequado do quadro, ele deverá ser classificado como EME refratário. Nesse ponto da evolução, é fortemente recomendado que se estabeleça uma via aérea artificial (intubação orotraqueal) para a segurança do paciente. É essencial também que a equipe de neurologia seja acionada nesse momento da evolução.
No Brasil, existem disponíveis formulações de fenobarbital para uso endovenoso na apresentação de 100 mg/ml e para uso EXCLUSIVO intramuscular na apresentação de 200 mg/ml.
Vale lembrar que continuamente deve-se estar atento para correção de possíveis causas do EME, como hipertermia, distúrbios do sódio ou tratamento da sepse.
MIDAZOLAM CONTÍNUO
Deve-se realizar uma dose em bolus de 0,1–0,2 mg/kg e iniciar infusão contínua de 0,1 mg/kg/h. Sugerimos utilizar inicialmente uma solução pouco concentrada, para ajuste rápido da dose. Caso não haja controle das crises – e como a lesão cerebral decorrente do EME é diretamente proporcional ao tempo necessário para o seu controle – , aumentar a taxa de infusão de 0,15 mg/kg/h a cada 5–10 minutos, com bôlus adicionais de 0,1 mg/kg a cada aumento. A dose máxima é de 1,5 mg/kg/h. Se após 1 hora de infusão do midazolam contínuo persistirem as convulsões, o próximo passo deve ser iniciado.
TIOPENTAL
Dose inicial de 2–4 mg/kg, em bôlus, e iniciar infusão contínua de 2 mg/kg/h. O risco de hipotensão é alto, sendo fortemente recomendado que, já nesse momento, o paciente disponha de acesso periférico calibroso e de acesso venoso central para possível infusão de amina vasoativa. O aumento da dose deve ocorrer a cada 30 minutos, em 1 mg/kg/h, juntamente com um novo bôlus de 2 mg/kg. A dose máxima é de 5 mg/kg/h. Em 1,5 hora, caso não haja controle do EME refratário, instituir o próximo passo. Devemos lembrar que, caso a infusão do tiopental seja mantida, não será necessária a dose de manutenção do fenobarbital, que deverá ser instituída somente após o início do desmame do tiopental.
Outras opções para o tratamento do EME refratário são: propofol, cetamina, topiramato, ácido valproico, levetiracetam, anestesia inalatória, hipotermia, eletroconvulsoterapia, plasmaférese, ACTH e corticoterapia. Tais terapias não serão abordadas nesse post, pois não são o objeto de trabalho do pediatra geral e sim do especialista, com o paciente já dentro da unidade de terapia intensiva.
⇒ O ácido valproico intravenoso parece ser a medicação mais promissora na condução do EME em pediatria. Há trabalhos que mostram controle das crises na grande maioria dos casos, classificando-o até como droga de tratamento inicial, antes mesmo de ficar definida a refratariedade [3]. A dose inicial varia de 20 a 40 mg/kg, diluída 1:1 com soro fisiológico ou soro glicosado 5%. Caso a apresentação EV não esteja disponível, pode-se utilizar, então, o xarope por via retal na dose de 10–15 mg/kg, diluído em água (1:1) [2].
⇒ Em lactentes abaixo de 18 meses, incluindo o período neonatal, que apresentam EME, deve-se testar a resposta à piridoxina (vitamina B6) na dose de 100 mg EV no primeiro dia e de 50 mg nos dias posteriores.
CONCLUSÃO
Defina, em primeiro lugar, se o paciente que você está atendendo se encaixa na definição de EME. Se tratarmos um escape convulsivo como um EME estaremos, provavelmente, correndo riscos desnecessários [2].
Busque identificar na história e exame físico as possíveis causas do EME. Faça uma investigação dirigida para determinar a etiologia, porém não atrase o tratamento para controle das crises para realizar essa investigação.
Descarte ou trate a hipoglicemia em primeiro lugar.
Comece a sequência terapêutica com o benzodiazepínico. Caso não disponha de acesso venoso, faça a primeira dose de midazolam intranasal ou intramuscular. Caso não haja resposta a 2 doses endovenosas adequadas de benzodiazepínicos, institua a terapêutica de segunda linha (fenitoína ou fenobarbital). Solicite um leito de terapia intensiva e esteja preparado para estabelecer uma via aérea definitiva.
Você já atendeu algum EME em crianças? Viu algo diferente? Tem alguma experiência a nos contar? Curta! Compartilhe o Conhecimento!