Lúpus Eritematoso em Pediatria: novos critérios diagnósticos e tratamento inicial

Quantos pacientes com quadro isolado de artrite, nefrite, derrame pleural e/ou pericárdico você já acompanhou sem diagnóstico definido? Não seria um caso de LES? Descubra os novos critérios para diagnóstico em nossa revisão.
As doenças reumatológicas, apesar de pouco estudadas pelos pediatras, têm frequência cada vez mais elevada, principalmente em adolescentes do sexo feminino. Entre essas doenças reumatológicas, o lúpus eritematoso sistêmico (LES) se destaca. Diferentemente dos adultos, as crianças e os adolescentes necessitam de atendimento diferenciado, devido ao grande impacto da doença e da terapia no crescimento e desenvolvimento físico e psicológico.
DADOS GERAIS SOBRE O LÚPUS
Após revisão da literatura, verificou-se que a incidência de LES com início na infância variou de 0,36 a 2,5 por 100.000 por ano. Os dados sobre a incidência e prevalência de LES na infância são escassos na África, Austrália e América do Sul [1]. É uma afecção que acomete mais o sexo feminino do que o masculino, sendo na infância a proporção de meninas:meninos de 8:1 e na faixa etária pré-púbere, 4:1. O LES pode ocorrer em qualquer idade, embora se torne mais frequente após os cinco anos e é cada vez mais prevalente após a primeira década de vida [2]. Geralmente, a doença se desenvolve após os 8 anos de idade [UpToDate: Systemic lupus erythematosus in children: Clinical manifestations and diagnosis, last updated: Aug 16, 2016].
Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ) ou Pediátrico é o nome dado ao LES da criança e do adolescente, que se manifesta até os 16 anos, e que apresenta basicamente as mesmas características do adulto, porém com incidência muito menor. Entre toda a população lúpica, em tono de 20% pertence à faixa etária pediátrica. A principal diferença é que, na criança, o acometimento renal é mais prevalente e grave [Medscape 2015]. Os critérios diagnósticos utilizados para o LESJ são os mesmos do adulto e o tratamento é bastante similar.
ETIOLOGIA DO LÚPUS ERITEMATOSO
A etiologia do LES ainda permanece indefinida. Inúmeros fatores – como os hormonais, imunológicos, genéticos e ambientais – parecem desempenhar, isoladamente ou em conjunto, algum papel no desencadeamento da doença. Algumas manifestações clínicas são desenvolvidas direta ou indiretamente pela formação de anticorpos e complexos imunes.
DIAGNÓSTICO DE LÚPUS
Os sinais e sintomas são muito variáveis, e qualquer órgão pode ser afetado. Frequentemente, encontramos no início da doença os seguintes sintomas:
- febre,
- perda de peso e
- mal-estar, com agravamento no decorrer dos meses.
Algumas crianças apresentam sintomas agudos – até mesmo com risco de vida – já no início da doença. As manifestações clínicas mais comuns são: artrite (67%), erupção malar (66%), nefrite (55%) e doença do sistema nervoso central (27%) [3].
Nem todas as manifestações necessárias para o diagnóstico definitivo podem estar presentes quando a criança é vista pela primeira vez. Assim, quadros reumatológicos, dermatológicos, renais e neurológicos sem diagnóstico etiológico definitivo devem ser acompanhados até que um diagnóstico possa ser firmado.
Nem todas as manifestações necessárias para o diagnóstico definitivo podem estar presentes quando a criança é vista pela primeira vez.
OS CRITÉRIOS SLICC DE DIAGNÓSTICO
Atualmente, utiliza-se os critérios SLICC (Sistemic Lupus International Collaborating Clinics) para firmar o diagnóstico de LES. Esses critérios são uma versão revisada e validada dos critérios do American College of Rheumatology (ACR) utilizado anteriormente para adultos [4]. Os critérios SLICC, sem modificações, também são utilizados para fechar o diagnóstico de LESJ [5,6]. Lembramos que, no LESJ, a frequência das manifestações específicas varia dependendo da faixa etária acometida, e a doença pode ter pior prognóstico se o diagnóstico for tardio [UpToDate: Systemic lupus erythematosus in children: Clinical manifestations and diagnosis, last updated: Aug 16, 2016].
Um doente é classificado como tendo LES se:
- Quatro ou mais dos critérios SLICC, incluindo pelo menos um critério clínico e um imunológico, estão presentes simultaneamente ou cumulativamente durante qualquer intervalo de observação, na ausência de outra explicação para os resultados;
OU
2. Nefrite lúpica comprovada por biópsia e FAN (fator antinuclear) ou anticorpos anti-DNA positivo
Lúpus Cutâneo Agudo | Rash malar (não conta se discóide malar) Lúpus bolhoso Variante de necrólise epidérmica tóxica do LES Rash maculopapular do Lúpus Rash fotossensível do Lúpus *Excluído dermatomiosite Lúpus cutâneo subagudo (lesão psoriasiforme não indurada e/ou lesão anular policíclica com resolução sem deixar cicatriz, embora ocasionalmente com despigmentação pós-inflamatória ou telangiectasia) |
Lúpus Cutâneo Crônico | Rash discóide clássico ___Localizado (acima do pescoço) ___Generalizado (acima e abaixo do pescoço) Lúpus hipertrófico (verrucoso) Paniculite lúpica (Lúpus profundo) Lúpus mucoso Lúpus eritematoso túmido Lúpus pérnio Lúpus discóide (sobreposição com líquen plano) |
Úlceras Orais | Palato Boca Língua Nasal Na ausência de outras causas, tais como: vasculite, doença de Behçet, infecção (herpes vírus), doença inflamatória intestinal, artrite reativa e alimentos ácidos. |
Alopecia não cicatricial | Adelgaçamento difuso ou fragilidade do cabelo, com cabelos quebradiços visíveis na ausência de outras causas como: alopecia areata, drogas, deficiência de ferro e alopecia androgênica |
Artrite | Sinovite envolvendo 2 ou mais articulações, caracterizada por edema ou derrame ou dor e, pelo menos, 30 minutos de rigidez matinal |
Serosite | Dor pleuritica típica por mais de 1 dia Derrames pleurais Atrito pleural Dor pericárdica típica (dor com piora ao decúbito e melhora em posição de prece maometana) por mais de 1 dia Derrame pericárdico Atrito pericárdico Eletrocardiograma com sinais de pericardite Na ausência de outras causas, como infecção, uremia e pericardite de Dressler |
Renal | Relação proteína/creatinina urinárias (ou proteínúria de 24h) ≥ 500mg/24h Cilindros hemáticos |
Neurológico | ConvulsõesPsicose Mononeurite múltipla*Na ausência de outras causas conhecidas tais como vasculite primáriaMieliteNeuropatia periférica ou de nervos cranianos*Na ausência de outras causas conhecidas como vasculite primária, infecção e diabetes mellitus Estado confusional agudo*Na ausência de outras causas, como tóxicas/metabólicas, uremia e drogas |
Anemia Hemolítica | |
Leucopenia | Leucopenia (<4.000 / mm3 pelo menos uma vez) *Na ausência de outras causas conhecidas, como síndrome de Felty, fármacos / substâncias ilícitas e hipertensão portal Linfopenia (<1.000 / mm3 pelo menos uma vez) *Na ausência de outras causas conhecidas como corticosteróides, fármacos / substâncias ilícitas e infecção |
Trombocitopenia | Trombocitopenia (<100.000 / mm3 pelo menos uma vez) Na ausência de outras causas conhecidas tais como fármacos / substâncias ilícitas, hipertensão portal e púrpura trombocitopênica trombótica |
FAN | Positivo (acima dos valores de referência) |
Anti-DNA dupla hélice | Acima do valor de referência ou > 2 vezes o valor de referência se realizado pelo teste ELISA |
Anticorpo Anti-Sm | Positivo |
Anticorpo antifosfolipide | Anticoagulante lúpico VDRL falso positivo Anticardiolipina com títulos médios ou elevados (IgA, IgG ou IgM) Anti-Beta-2 Glicoproteína I (IgA, IgG ou IgM) |
Redução do Complemento | C3 C4 CH50 |
Teste Cooms positivo | Na ausência de anemia hemolítica |
Outros fatores, como história familiar, idade, duração dos sintomas e evolução dos achados, devem ser levados em conta antes de classificar uma criança com LES, uma vez que nenhum dos critérios clínicos ou imunológicos para a classificação do LES é específico da doença. Alguns pacientes podem apresentar manifestações graves de órgãos pelo lúpus sem cumprir os critérios de classificação e devem ser tratados com urgência ou emergência, sem esperar que outros critérios se desenvolvam [ibid.].
LÚPUS CUTÂNEO AGUDO
LÚPUS CUTÂNEO CRÔNICO
OUTRAS ALTERAÇÕES DE LÚPUS
Apesar de menos sensível e específico, os critérios do American College of Rheumatology (ACR) para diagnóstico de LES continuam sendo aceitos [7]. A presença de 4 ou mais dos 11 critérios, simultânea ou evolutivamente, em qualquer intervalo de tempo, fecha o diagnóstico.
Rash malar |
Rash discóide |
Fotossensibilidade |
Úlceras mucosa (oral ou nasal) |
Artrite não erosiva |
Serosite (pleurite ou pericardite) |
Doença Renal . Proteinúria persistente ou > 0,5g/dia ou . Cilindrúria (cilindros granulares, hemáticos, hemoglobínicos, tubulares ou mistos) |
Doença neuropsiquiátrica . Convulsão (excluído fármacos, drogas ou distúrtibio metabólico) ou . Psicose (excluído fármacos, drogas ou distúrtibio metabólico) |
Doença Hematológica . Anemia hemolítica com reticulócitos elevados em 2 ou mais ocasiões ou . Leucopenia (leucócitos < 4.000/m3) em 2 ou mais ocasiões ou . Linfopenia (linfócitos < 1.500/m3) em 2 ou mais ocasiões ou . Plaquetopenia (plaquetas < 100.000/m3) excluída causa medicamentosa |
Alterações Imunológicas . Anticorpo antiácido desoxorribonucleico (DNA) dupla hélice ou . Anticorpo Anti-Sm ou . Anticorpos Anti-fosfolípede: anticardiolipina IgG ou IgM ou anticoagulante lúpico ou . VDRL falso positivo |
Fator Antinúcleo (FAN) |
Embora não façam parte dos critérios diagnósticos, manifestações decorrentes do acometimento de outros órgãos podem ocorrer, tais como:
- febre persistente,
- hemorragia pulmonar,
- hipertensão pulmonar,
- pneumonite,
- miocardite,
- doença valvar,
- doença arterial coronária,
- ascite,
- pancreatite,
- hepatite
dentre inúmeras outras [ibid.].
TRATAMENTO DO LÚPUS ERITEMATOSO
O tratamento da doença é crônico e prolongado.
- Acompanhamento com Pediatra e outras especialidades Pediátricas: Reumatologista, Nefrologista, Cardiologista entre outras, a depender dos órgão acometidos;
- Nutrição adequada, com cuidado na oferta de sal e proteínas nos pacientes hipertensos e com acometimento renal;
- Cuidado com a exposição solar, tentando evitá-la e lembrando de utilizar filtro solar;
- Tratamento medicamentoso é baseado na utilização de corticoides (prednisolona ou prednisona) e anti-maláricos (cloroquina ou hidroxicloroquina). Em casos graves, a pulsoterapia pode ser utilizada. O uso crônico de corticoides exige monitorização de seus efeitos colaterais: hipertensão arterial, osteoporose, catarata, alteração do crescimento, acne, úlceras, susceptibilidade a infecções, dentre inúmeros outros. Em casos de acometimento renal, a utilização de imunossupressores, tais como azatioprina, micofenolato e ciclofosfamida, melhorou consideravelmente a sobrevivência e a gravidade da agressão renal [Medscape 2015];
- O tratamento não deve ser retardado nos casos graves, mesmo nos pacientes que não preencham todos os critérios de classificação [Medscape 2015];
- Atenção na indicação das vacinas nos paciente em uso crônico de corticoides e/ou imunossupressores.
A chave para o cuidado destes pacientes é tratar adequadamente as manifestações presentes quando a criança é vista pela primeira vez e seguir cuidadosamente aqueles que não preencham os critérios diagnósticos. Dessa forma, caso apareçam achados adicionais, estes podem ser investigados ao longo do tempo, fechando o diagnóstico definitivamente.
Outros fatores, como história familiar, idade, duração dos sintomas e evolução dos achados devem ser levados em conta antes de classificar uma criança como portadora de LES, uma vez que nenhum dos critérios clínicos ou imunológicos para a classificação é específico da doença. Alguns pacientes podem apresentar manifestações graves de disfunção de qualquer órgão pelo lúpus, sem cumprir os critérios de classificação e devem ser tratados com urgência ou emergência, sem esperar que outros critérios se desenvolvam [Medscape 2015, UpToDate: Systemic lupus erythematosus in children: Clinical manifestations and diagnosis, last updated: Aug 16, 2016].